Quinta-feira, 28 Março

«Volta à Terra» por João Miranda

Só há pouco tempo é que a população urbana ultrapassou a nível mundial a rural. Em Portugal, já menos de 40% vive no campo e, possivelmente, menos ainda vive dele. Assim, é normal que muitos dos filmes que surjam não se dediquem a este tema. No entanto, nos últimos tempos temos visto surgir vários documentários em festivais que o fazem. A maioria deles acaba por cair na romantização de uma vida que é muito difícil e que muitos de nós, sendo dada a opção, prefere não ter. Volta à Terra, de João Pedro Plácido, consegue, apesar de ser uma primeira obra, evitar todos esses clichés e erros e documentar a vida de Uz, no distrito de Braga, no Norte de Portugal.

O ritmo marcado pela agricultura, pecuária e religião é aqui explorado na vida de duas pessoas, uma no início da vida profissional e outra no final. Qualquer leitura mais romântica ou paternalista é negada com mestria de duas formas: a comparação entre duas pessoas de idades diferentes mostra a forma como uma vida dura pode afetar as pessoas e a grande cena de romantização do trabalho do campo é quando uma das operações do campo é apresentada na sua forma tradicional, literalmente para turistas (e emigrantes), depois de se ter mostrado como esta operação é mecanizada.

Mas não se pense que este filme é só trabalho e sofrimento. O grande mérito do realizador é conseguir mostrar também a personalidade destas pessoas: o humor, as preocupações, os desencontros amorosos, a incorrecção política. Todos estes elementos fazem com que elas se tornem completas e não apenas caricaturas. Aliás, o humor é a qualidade que mais surpreende no filme. Num documentário sério sobre uma vida tão dura, é surpreendente o número de vezes que se ri, não das pessoas que estamos a ver, mas com elas.

O Melhor: O humor.
O Pior: Pressupõe que já se sabe algo sobre a vida do campo, o que nem sempre é verdade, tornando alguns momentos verdadeiramente críticos.


João Miranda
(Crítica originalmente escrita em outubro de 2014)

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