Sábado, 20 Abril

«Lisbon Revisited» por João Miranda

Edgar Pêra sempre teve um estilo muito próprio. Goste-se ou não, pode reconhecer-se um dos seus filmes facilmente por causa desse estilo. Nestes últimos tempos, Pêra tem-se dedicado ao 3D, uma tecnologia nova e com novos desafios. Depois do segmento CineSapiens em 3X3D, que tinha também segmentos de Peter Greenaway e Jean-Paul Godard, o realizador apresenta agora este Lisbon Revisited numa versão diferente da que apresentou em Locarno, mas, como anunciou no início da sessão, ainda não na versão final.

O 3D no cinema tem vários problemas: desde os óculos utilizados (alguns usam pilhas que se gastam, tendo como consequência que a imagem pareça mais escura e o 3D não funcione), às vertigens e dores de cabeça que causam a alguns espetadores, até ao preço mais elevado dos bilhetes. Há ainda outros problemas com a tecnologia: há uma redução da luz e das cores; as imagens nem sempre funcionam (a maior parte das vezes, o valor estético da imagem em 2D ou 3D é o mesmo e a maior parte das imagens que funciona nesta tecnologia são as que “saem” do ecrã, que têm de ser apanhadas completamente na imagem ou os seus limites físicos acabam por achatá-la); as sobreposições de duas imagens não funcionam porque pressupõem profundidades diferentes e acabam por causar mais confusão do que uma transição simples; e a utilização de legendas é um pesadelo (porque acabam por interferir com a simulação do 3D). Por essas razões, o 3D não passou nunca de um truque de feira, uma tecnologia insuficiente que as produtoras tentam impingir às audiências por questões de direitos de autor e de poder oferecer algo mais do que a televisão.

Lisbon Revisited sofre dessas adversidades todas: só algumas imagens funcionam, a maioria forçada com jogos de luzes para poder reforçar o efeito, e as legendas por vezes nem sequer se conseguem ler ou conseguem, mas a custo da imagem que se “desfaz”. Pêra traz outros problemas com o seu estilo: a pós-produção que tanto o atrai acaba aqui por funcionar contra a ilusão, a saturação das cores achata a imagem, criando uma imagem com níveis diferentes, mas sem profundidade.

Mas nem sequer são esses os problemas de Lisbon Revisited. Será sempre de esperar que uma tecnologia nova levante dificuldades e que haja usos experimentais dela, com resultados melhores ou piores. Pêra tem pelo menos o mérito de querer explorar a tecnologia, apesar do seu estilo se sobrepôr de forma tão marcada. O verdadeiro problema do filme é conseguir fazer que, com o pretensiosimo das vozes, associado à selecção de textos, ao desenho sonoro e ao experimentalismo da imagem, Pessoa soe mal. E é preciso algum trabalho para que Pessoa soe mal. Infelizmente, Pêra consegue-o. No final ficamos com um filme de uma hora dele a perseguir gaivotas à beira-mar e gatos no cemitério ou agachado no meio das ervas, com um desenho sonoro agressivo, com ideias pretensiosas reforçadas pelas leituras de fragmentos de textos que pouco ou nada têm a ver entre si e com o estilo de Pêra a arrasar qualquer ilusão: de 3D ou do seu mérito.

O Melhor: A vontade de experimentar.
O Pior: Fazer com que Pessoa soe tão mal.


João Miranda

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