Sexta-feira, 29 Março

«Hope» por Roni Nunes

Nunca será demais reforçar o heroísmo intrínseco às impressionantes odisseias movidas pelos imigrantes que visam chegar à Europa numa busca desesperada por uma vida melhor – normalmente com uma coragem muito maior do que a clarividência. É uma destas trajetórias que Boris Lojkine, na sua primeira longa-metragem de ficção, recria de forma intensa e eficiente neste Hope.

A história do costa-marfinense Léonard (Justin Wang) e da nigeriana que dá nome ao filme (vivida por Endurance Newton) reúne tudo o que uma destas jornadas contém. Na sua tentativa de chegar ao Mediterrâneo, eles enfrentam os perigos naturais (a imensidão aterradora do deserto do Sáara) e toda a sorte de infortúnios que lhe podem causar seus semelhantes – desde os policiais corruptos até os oportunistas e bandidos de todos os feitios e matizes. Certamente esta estrada do inferno não seria boa altura para um romance, mas o envolvimento emocional que começa com um simples ato de solidariedade de Léonard acaba, a partir de certa altura, por tornar o destino de ambos inseparável.

De uma raiz evidente no documental, a obra de Lojkine vai afastando-se deste ao recriar de uma forma efetiva um ambiente absolutamente asfixiante que dá o tom do universo dos protagonistas. Particularmente para ela, simplesmente por ser mulher num mundo violento e dominado pela força física e pelas suas organizações com líderes sinistros, a calamidade parece não ter fim, mas o realizador soube conceder também as devidas pausas à uma intimidade reconfortante dos seus personagens principais.

Hope não evita totalmente um olhar estrangeiro e simpático à denúncia que está implícita no drama. Mas, no todo, é uma obra onde se soube jogar com as cartas que se tinha, recriando um mundo pleno de emoções, beleza e tragédia – e com um motivo, infelizmente, mais atual do que nunca.

O melhor: a transposição eficiente dos limites do documentário para a ficção
O pior: não esconde completamente um olhar “estrangeiro”


Roni Nunes

Notícias