Sexta-feira, 29 Março

«Velká Noc » (The Great Night) por João Miranda

 

Velká Noc (Grande Noite) é, segundo as próprias palavras do realizador, um filme sobre o “fenómeno moderno da vida noturna e da ausência de sono. Usando retratos autênticos de personagens que vivem no ‘submundo’ escuro […] o espaço de vida e a comunidade das pessoas da ‘noite eterna‘”. O filme segue várias pessoas que habitam a noite de Praga, prostitutas, drogados e outros, tentando documentar parte das suas vidas.

Há, logo à partida, vários problemas com o filme: a sua visão é profundamente burguesa, romantizando a boémia e o excesso ao mesmo tempo que impõe uma moral quase vitoriana às pessoas que segue, a sua câmera hesita entre o intrusivo e a distância e assume uma posição quase ingénua sobre a forma como altera tudo o que filma. Vejamos então cada um desses pontos ao pormenor. A romantização da “noite eterna” é visível no enquadramento e na montagem das cenas de dança, com a câmera a soltar-se e acompanhar a dança ou a criar momentos de sedução inexistentes, e na tentativa falhada de humanização das pessoas em planos de profundidade muito reduzida, estetizando o “submundo” ao mesmo tempo que se afasta dele. A essa romantização sobrepõe-se uma moral retrógrada, que se pode ver pela forma como a rapariga nova que vai dançar e tem relações sexuais com quem quer e no registo que quer é equiparada visualmente às prostitutas e aos drogados ou no olhar de censura sobre a mãe solitária que bebe em casa e se entrega à dança sem pensar ou, pior ainda, na forma como abusa de “Lascia ch’io pianga”, de Händel (uma ária de uma beleza extrema, aqui usada como tentativa de manipulação trapalhona, à imagem do (ab)uso que Lars Von Trier lhe deu em Antichrist e Nymphomaniac). A sua ingenuidade quanto ao impacto que tem é visível nas reações das pessoas perante a câmera, o olhar furtivo direto à câmera, as pausas antes de falar ou o representar o que se pensa que deve fazer ou, pior, que o realizador quer ver, nas situações que se vivem.

Velká Noc é obviamente o produto de um homem branco relativamente novo, preso entre o consumo acrítico do hedonismo oferecido pela “noite”, o romantismo burguês de um Baudelaire (ou de qualquer outro escritor adorado pela contracultura acéfala) e a moral pequenina do meio em que se insere. Constrangedor.

O Melhor: A fotografia.
O Pior: A incapacidade crítica do realizador, os clichés todos que se amontoam.


João Miranda

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