Quinta-feira, 18 Abril

«Letters to Max» por João Miranda

 

Depois do final da União Soviética, a instabilidade das várias regiões que dela faziam parte manteve-se durante anos, com vários movimentos separatistas a surgir e a reivindicar a sua autonomia. A Abecásia é um desses países que, depois de vários anos de guerra, se declarou uma república independente, apesar de este estado não ser reconhecido por mais de um punhado de países (entre eles a Rússia, a Nicarágua e a Venezuela) e ser mesmo posto em causa por entidades como a ONU, a UE e a NATO. Ainda assim, desde o início dos 90s que tem um governo próprio, com vários ministérios e um corpo diplomático.

Em Letters to Max, Eric Baudelaire usa o artifício de uma possível troca de cartas (da qual nunca se consegue perceber a veracidade) entre ele próprio e um diplomata, Maxim Gvinjia, que chegou mesmo a Ministro dos Negócios Estrangeiros. O filme é apresentado como respostas às várias cartas que o realizador enviou, com a resposta a ser gravada em áudio, sobreposta com cenas filmadas no país. A cronologia do processo é misturada e complicada devido ao dispositivo escolhido. Esse é, sem qualquer dúvida, um dos grandes problemas deste filme: toda a ideia das cartas enviadas serve muito bem o propósito de mostrar as dificuldades de uma nação não reconhecida, mas acaba por limitar também as respostas do entrevistado. Numa posição histórica que torna o discurso de Max privilegiado e interessante, as perguntas de Baudelaire não se aproximam de temas controversos, num branqueamento histórico, mais negligente que propositado, e perdendo oportunidades que se tornam ainda mais óbvias com algumas pesquisas online.

Pior, a partir do dispositivo utilizado, Baudelaire consegue raptar, no final, o filme de Max para o centrar no seu próprio umbigo, congratulando-se demais pela sua invenção. A separação entre áudio e imagem é também problemática: se algumas vezes a sobreposição entre esses dois elementos funciona bem, outras acaba por contrastar, ficando-se pelo filme turístico ou por se focar no que o realizador acha importante, apesar do que é dito. Lembra os seus dois filmes anteriores The Anabasis of May and Fusako Shigenobu, Masao Adachi and 27 Years without Images (ler crítica), um filme quase tão pretensioso e insuficiente como o seu título, e The Ugly One (ler crítica), uma narrativa incoerente, os dois esmagados pelo peso da teoria das imagens. Letters to Max sofre também desse problema, com Baudelaire a mostrar-se de novo incapaz de encontrar um compromisso entre o que traz para o filme e o que encontra nos seus temas.

Mas não se fique com a ideia que é um mau filme. Letters to Max acaba por funcionar, mais pelo interesse de Max e pela sua personalidade do que pelo trabalho do realizador. É um daqueles filmes centrados numa personagem tão interessante que acaba por ser bom apesar do seu realizador, como o seu primeiro filme ou Terra de Ninguém, de Salomé Lamas.

O Melhor: O titular Max.
O Pior: O peso da vontade do realizador, nas imagens e no dispositivo utilizado.


João Miranda

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