Quinta-feira, 28 Março

«The Babadook» (O Senhor Babadook) por Hugo Gomes

A australiana Jennifer Kent, que foi assistente de Lars von Trier em Dogville, estreia-se na realização de longas-metragens com The Babadook (a extensão da sua curta Monsters de 2005), um filme que causou sensação no último Festival de Sundance e que foi descrito por quem o viu como aterrador e atmosférico, sendo este último ponto a sua força.

Deparamo-nos com um regresso aos medos primários de cada um, invocando a criança que há dentro de nós, aquele receio do “bicho-papão” ou do “monstro do armário” tão comum no nosso crescimento. Nesse sentido, Kent consegue elaborar situações familiares ao espectador, obrigando-o a olhar para a sua infância e a confrontar as suas primeiras fobias. Eis um exercício eficaz desta técnica, sem ceder ao susto fácil nem ser manipulador (como os muitos produtos industrializados que encontramos “ao pontapé”), muito graças à referida atmosfera e por um trabalho de câmara versátil fisicamente limitado pelo cenário, mas que eventualmente se perde, refém de pretensiosismo.

É sob essa ambição de contornar o território do terror, que The Babadook deixa visíveis as suas fragilidades: Jennifer Kent não consegue ilustrar a “aguçada” relação entre mãe e filho, o centro de toda a ênfase dramática, apesar dos desempenhos cativantes por parte de Essie Davis e do pequeno Noah Wiseman, deixando-nos com conexões incompletas e impasses “rochosos” no dinamismo narrativo.

O argumento é preguiçoso; depois de apresentada a ideia base – os medos infantis e a conversão destes num elo comum entre gerações – somos remetidos para um stock de colagens de outros elementos do género: possessões, traumas passados, paranóias e Poltergeists, invertem a premissa e acabam por transformá-la num mero produto rotineiro, a dever demasiado ao que já havia sido feito no círculo de terror série A. Mesmo assim, a técnica de Jennifer Kent é de uma perícia arrepiante, as sequências com que trabalha a escuridão são envolventes e, por momentos, testemunhamos algo verdadeiramente assustador, ou seja, há talento, falta inovação e maior controlo deste “monstro-papão”.

O melhor – A escuridão como elemento simbiótico com a câmara de Kent.
O pior – Demasiado preso à sua ambição, mesmo não recorrendo ao susto fácil, acaba por ser rotineiro e desconexo.


Hugo Gomes

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