Sexta-feira, 29 Março

«Mommy» por Fernando Vasquez

Apesar dos seus muito verdes 25 anos, Xavier Dolan já se tornou numa figura mítica do cinema mundial. O jovem canadiano rapidamente passou a fenómeno, envergando um estilo muito particular e facilmente reconhecível, que lhe valeu milhares de fãs incondicionais por esse planeta fora. Apenas esse facto justifica todo o alarido à volta da presença do realizador na sempre restrita lista de filmes a competir para a Palma de Ouro em Cannes, já para não falar nas filas imensas e determinadas que se congregaram em todas as sessões, sem exceção.

Na sua mais recente encarnação, Mommy, Dolan não deixa de parte o estilo que o caracteriza, no entanto oferece-nos um pequeno e tímido olhar do que se espera que possa vir a fazer no futuro.

Mommy retrata-nos a luta de uma viúva que por mais que tente não arranja maneira de controlar o seu filho, Steve, vitima de uma rara condição que frequentemente resulta em espasmos de agressividade e uma permanente agitação emocional. Apesar do seu comportamento deveras desadequado e de um ato de extrema violência que lhe comprometera o futuro, Steve acaba por cativar muitos à sua volta, através de um charme e genuinidade fora de vulgar. Quando uma vizinha perturbada por um acontecimento desconhecido começa a frequentar o lar, a família parece encontrar um equilíbrio fundamental. Mas a mudança de ambiente está condenada à partida pela inevitabilidade da condição do jovem, que nunca deixará a sua mãe em descanso até que esta tome uma decisão drástica.

O novo trabalho de Dolan sem duvida que demonstra alguns rasgos de génio e um novo sentido trágico, até ao momento ausente na obra do cineasta, no entanto o realizador não deixa de escorregar em momentos fulcrais, afogando a obra num oceano de ideias perdidas e incompletas.

Talvez o aspeto mais extraordinário de Mommy seja o truque cinematográfico que impera ao longo de todo o filme. Usando um ratio nunca antes visto, que reduz a tela significativamente em grande parte da fita, Dolan enverga por um jogo perigoso mas surpreendentemente eficaz, forçando a audiência a assumir um papel voyeristico, como se estivesse a espreitar indiscretamente por uma porta escancarada. Pode parecer básico em muitos aspetos, mas a tela vai ampliando e reduzindo à medida que a coexistência entre as personagens se atenua ou complica. Por vezes o processo é tão subtil que a repentina mudança passa despercebida, pelo menos até ao momento que as personagens entram em conflito aberto.

O que em muitos aspetos é um triunfo, e provavelmente o golpe estético mais falado este ano em Cannes, acaba por se desmoronar quando Steve, despreocupado com algumas aparentes mudanças positivas no seu dia a dia, abre a tela com as próprias mãos enquanto passeia de skate, tudo ao som de Wonderwall dos britânicos Oasis. Estaria a mentir se não reconhecesse que no momento a táctica despertou muitos sorrisos pasmados na audiência, mas bem analisada, a decisão de Dolan acaba por se revelar como um exemplo perfeito da sua maior falha.

É certo que Dolan assumiu direta e indiretamente o papel de estandarte de toda uma geração, aquela que fácil, e por vezes erroneamente, reduzimos a “geração hispter“. O cineasta merece o nosso reconhecimento pela sua coragem, determinação e dedicação, afinal de contas estamos a falar de um realizador que aos 25 anos já vai na sua quinta longa-metragem, ainda para mais alguém que chega ao ponto de produzir a legendagem dos seus próprios trabalhos, entre muitas outras funções secundárias (será que existe algum paralelo possível? Eu desconheço). O que possivelmente seria escusado era forçar-nos a engolir a “piroseira” com que rega Mommy e conspurca muitos dos seus filmes. Tal como a personagem hiperativa, a concentração de Dolan é rapidamente substituída por uma imaturidade cansativa, que nos quer dizer muito, mas para além de alguns enfeites francamente aplaudíveis acaba por nos revelar demasiado pouco.

Inquestionavelmente, de subtil Dolan ainda não tem absolutamente nada. Quando a isso associamos o discurso sentimental no momento em que recebeu o prémio do júri, em exquo com Jean Luc Godard (que por si só representa uma mensagem do estilo “out with the old and in with the new“), torna-se complicado, ou até mesmo impossível, rotular o novo trabalho de Dolan de obra prima.

Seja como for, Mommy não deixa de ser uma vitória estrondosa para o jovem canadiano, mais pelo que representa do que pelo próprio conteúdo. Não só nos relembrou, em caso de alguém se ter esquecido,que Dolan é provavelmente a maior promessa do cinema mundial, um jovem com um talento imenso e um caminho de sucesso traçado, ao qual todos os amantes da sétima arte devem estar atentos. Mais importante e notável ainda, anunciou ao mundo que ao contrário de muitas modas “hipsters“, ele é muito mais do que um fenómeno passageiro. Xavier Dolan está aqui e está para ficar.


Fernando Vasquez

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