Sábado, 20 Abril

«Welcome to New York» (Bem-Vindo a Nova Iorque) por Paulo Portugal

Depois da polémica pouco condimentada de Grace de Monaco, foi a vez da bem apimentada versão do ‘affaire’ Dominique Strauss-Kahn, segundo Abel Ferrara, em Welcome to New York, promovendo um evento algo surreal no festival de Cannes, com uma barreira de câmaras de TV e repórteres à procura do cheiro a escândalo. Até à altura sem possibilidade de comentário da família do próprio que não teria visto o filme. Algo que poderia ser feito desde ontem à noite, uma vez que o filme estará disponível em Franca via VOD (video on demand) e onde a companhia Wild Bunch espera obter boas receitas.

Odiado por alguns, louvado por outros, Welcome to New York revela-se um “comeback” em força do realizador irascível que bem merecia estar na lista dos candidatos à Palma de Ouro. E percebemos a razão: Ferrara não abdicou da sua versão. Mas já lá vamos. Para a concorrida sessão foram convidados cerca de 200 jornalistas num dos muitos bares na praia da Avenida Croisette. Temos então Depardieu como DSK. Uma parecença imediata, reforçada até pela atual obesidade do ator. E bastará um segundo para perceber que o ator polémico encontraria aqui uma personagem destinada a casar com o seu estilo, tal como uma proximidade com o ex-Presidente do FMI. A outra curiosidade foi o facto do filme chegar ao mercado francês (que não participou no orçamento) diretamente em VOD, o que não se passa, por exemplo, no nosso país. E como o último trabalho de Ferrara (4.44 Último Dia na Terra) não terá feito mais que 20 milhões, embora bastante mais em VOD, a opção na ótica da Wild Bunch seria rentável.

Pagos os 7 euros vimos Welcome to New York e assistimos em seguida a conferência de imprensa com Ferrara e Depardieu, a atriz Jacqueline Bisset, a par do argumentista Chris Zois, autor de alguns guiões de Ferrara, além do responsável da Wild Bunch em França.

E o que acontece então nos primeiros quinze minutos? Pois bem, ficamos a conhecer os gostos particulares e exóticos de ‘George Devereaux’, um banqueiro internacional viciado em sexo, interpretado com toda a verve (e peso!) por Gerard Depardieu, que não se coíbe de questionar o namorado da filha durante um almoço com ambos sobre a qualidade do sexo da filha. Ele que veremos logo a seguir numa delirante sequência com ‘call girls‘ – uma delas será Drena De Niro, filha de Robert -, onde jorra muito álcool e até cocktails com gelado que acabarão por escorrer num amontoado de corpos com sexo demasiado explicito. Em sucessão, um ménage à trois com duas russas e a tal cena em que o banqueiro quase obriga a empregada de hotel a fazer sexo oral… “You know who i am?”, terá dito na frase que ficou no cartaz. Percebe-se que tal excesso certamente causaria algum embaraço numa sessão oficial no Palácio dos festivais.

Dito isto, importa dizer que com este filme o truculento realizador parece regressar a um estatuto que se aproxima ao melhor da sua obra. Depardieu tem a mesma dimensão “bigger than life” de Christopher Walken em O Rei de Nova Iorque. Não será até o novo título um trocadilho? Percebemos a relevância da historia, o rigor da mise-en-scene, sempre temperada com o excesso sem compromissos do realizador de Nova Iorque. Depardieu, que por duas vezes olha para a câmara e encarando-nos como que a indagar as nossas fraquezas, quase como Kevin Spacey em House of Cards.

Mas temos ainda a irrepreensível Jaqueline Bisset, no papel da mulher que se apaixonou pela grandeza deste homem que poderia até vir a ser candidato à Presidência francesa. Não deixam de ser curiosas por isso as cenas entre ambos no momento em que ‘Devereaux’ passa a viver em prisão domiciliária. Curiosidade: segundo o jornal Le Monde, o apartamento alugado pela sua mulher foi o mesmo que Anne Sinclair alugou para a prisão domiciliária com DSK.

Welcome to New York não será uma receita recomendada para todos os gostos. Certamente mais calhada para os fãs da vertente mais excessiva de Abel Ferrara. Até porque o ódio acaba por ser esperado e até bem-vindo. Ficamos agora a espera das reações, não da família real, mas dos visados, sendo certo que tudo alimentará as vendas do filme em VOD. Ou a estreia em Portugal – já assegurada – em sala.

O melhor: A dupla Ferrara e Depardieu em estilo de almas gémeas.
O pior: algum desnível e o estilo mais televisivo nas cenas da prisão domiciliaria.


Paulo Portugal
(Crítica originalmente escrita em maio de 2014)

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