Sexta-feira, 29 Março

«Gare du Nord» por Hugo Gomes

 

Alguma vez questionaram-se quem será a pessoa que se está ao vossos lado na fila do comboio ou aquele que se encontra dentro da carruagem do metro no banco à vossa frente. Qual será a sua história de vida? Os seus segredos? Os seus arrependimentos e as suas alegrias? É sob esse conceito que Claire Simon explora nesta crescente ramificação narrativa que se denomina por Gare du Nord, alusão à famosa e bela estação de comboios de Paris, a mais movimentada da Europa, chegando a contar com 180 milhões de passageiros por ano (por mera curiosidade, foi também a estação de comboios de Hugo, o filme de Martin Scorsese).

Uma ficção paralela com o documentário Géographie Humaine, também da autoria da realizadora, que concentra-se em espelhar uma representação multicultural e diversificada dos arredores da capital francesa, tudo isso limitado à referida Gare, que a certa altura é vista, citando uma das personagens desta corrente humana, como uma praça da aldeia global. No seio deste quadro heterogéneo e imenso de vida, apesar de nunca ninguém querer interagir com o próximo, encontramos um cruzar de histórias e personagens que nos despertam as emoções. É a colisão dos corpos ausentes que que transforma o figurante em personagem, o auferir de um motivo e a correspondência de espírito ao corpo. Clare Simon demonstra que existe vida, existem sorrisos, lágrimas e sonhos no interminável cardume humano, em simultâneo quando esboça a mesma distancia.

Assim sendo, Gare du Nord funciona como um inicial retrato de realismo, conjugando a ficção com o documentário. Contudo, a metáfora de “mortos na multidão” transfigura-se no cariz sobrenatural. A certa altura fala-se em não ignorar tais experiência e a partir daí algo que supostamente poderia servir de figuração – os passageiros vistos como espetros vazios e semi-inanimados – repentinamente ostenta uma forma física, um teor elementar. Depois do realismo, Gare du Nord arruína-se no paranormal e no onírico, de forma a resolver um desfecho por vias do facilitismo. Devido a isso, sentiu-se que se descartou a oportunidade de se fazer um grande filme em prol de devaneios metafísicos.

O Melhor – O olhar metafórico de Claire Simon
O Pior – quando a autora deixa esse mesmo olhar.


Hugo Gomes

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