Quinta-feira, 28 Março

Festa do Cinema Francês arranca com a presença de Thierry Frémaux

 

Não era a abertura do Festival de Cannes, mas parecia. Thierry Frémaux, Delegado-Geral do Festival de Cannes e Diretor do Instituto Lumière, inaugurou pessoalmente a 18ª edição da Festa do Cinema Francês, evento que se prolonga até 12 de novembro, passando por 12 localidades de Portugal, como Almada, Coimbra, Leiria, Porto, Aveiro, Faro, Seixal, Viana do Castelo e Setúbal, para além da cidade de Lisboa, e a Vila de Cascais, em estreia este ano na programação.

Presente em Lisboa para apresentar o seu Lumière, l’Aventure commence!, uma coletânia de 114 filmes restaurados em 4K que se revela uma homenagem aos pioneiros da história do cinema, os irmãos Lumière, Frémaux têm em conta o passado e faz uma ligação direta com cinema de hoje e a sua evolução. O filme chega na próxima semana às salas de cinema, tendo sido a Festa o local escolhido para a antestreia portuguesa da película.

18 anos de Festa do Cinema Francês

Hoje em dia somos presenteados com inúmeras “festas do cinema” em Lisboa, como a do cinema espanhol ou italiano. Com 18 edições, a Festa do Cinema Francês é das mais antigas neste género de eventos na Capital, algo que orgulha Aurélie Roguin, organizadora da Festa, que nos disse em entrevista que o Cinema é um dos veículos essenciais para os objetivos do evento, que são «difundir a língua francesa e ao mesmo tempo abordar diferentes temáticas que podem ter a ver com a cultura francesa»: «O cinema é uma arte que se dirige a todos os tipos de público, até porque há filmes de animação, clássicos, filmes para todas as idades e este é um dos segredos do sucesso. O facto de ser uma festa para todas as pessoas, sem problemas de acessibilidade, ao contrário de outras artes, que podem ser mais “elitistas”, como o teatro. Nem toda gente sente que tem capacidade para assistir a essa arte. O Cinema é mais popular, mais acessível.»

Essa postura da Festa reflete-se na escolha dos filmes que selecionam pois «a linha artística abrange todos os géneros e isso permite que chegue a todos os públicos. Há sempre uma secção mais dedicada ao cinema mais clássico, para aqueles que gostam mais dos filmes de autor, temos uma parte dedicada aos filmes independentes (ACID), um tipo de cinema menos formatado…» e existe também o cinema mais comercial. Roguin explica que «a maior parte dos filmes comerciais são ditribuidos nos cinemas e por essa razão este ano trabalhamos com uma sala comercial, o UCI – El Corte Inglês, para também a companhar os profissionais e os distribuidores que apostam no cinema francês, que adquirem as suas obras, e ajudá-los até à saída comercial.»


Guillaume Canet e Marion Cotillard em Rock’n Roll

Questionada sobre a ausência de uma secção exclusiva para a animação, Roguin afirma que não foi uma vontade da organização, acrescentando que não têm surgido muitos filmes do género, e por isso as escolhas resumem-se a dois filmes, referindo ainda que «a tendência este ano são os documentários» e que isso acaba por se refletir na programação.

E terá o aumento de residentes franceses em Lisboa condicionado a escolha da programação? A organizadora diz que não, até porque o foco continua e será sempre o público português: «O nosso objetivo é dar a conhecer o cinema francês. Para nós não faz sentido apresentar cinema francês a franceses, que são (genericamente) reformados (risos).». Roguin frisa ainda que alguns filmes apresentados podem até não ser em língua francesa: «No cinema francês há muitas coproduções e às vezes o filme não é em língua francesa, como foi o caso da Hora do Lobo do Jean-Jacques Annaud, e o caso do filme da Deniz Gamze Ergüven, Mustang. Para nós não faz mal se o filme não for falado em francês, pois há legendas em português e estamos perante coproduções.»

Estará a Festa preparada para ter uma competição?

Ao contrário de outras mostras de cinema, a Festa do Cinema Francês não tem qualquer competição, algo que Roguin diz que vai continuar a acontecer: «O objetivo do Instituto é a difusão da cultura francesa. Para dar a conhecer a cultura a ideia é apenas uma mostra. Competição seria muito complicado. Bem, vamos abrir com o Thierry Frèmaux, que é o diretor do festival de Cannes, e esse festival é uma guerra. Os jornalistas não têm nenhuma piedade. Os críticos são muito violentos, (…) o objetivo da competição, não é o nosso objetivo. Além disso, quando é uma competição internacional ou um festival com grandes estrelas, o propósito é promover o próprio festival. A nossa ambição é dar um momento de felicidade ao público. Nós também preferimos assim, porque até os nossos meios financeiros não são grandes. Somos uma equipa pequena, e o orçamento é pequeno. O dinheiro é todo direcionado aos direitos dos filmes, à legendagem. É verdade que temos convidados prestigiantes mas não é como um Festival de Cannes ou internacional

Os Clássicos: O “franco-atirador” Jean-Pierre Melville

A retrospetiva integral à obra do cineasta Jean-Pierre Melville é um dos maiores destaques desta Festa do Cinema Francês. Para Aurelie Roguin, organizadora da Festa, o centenário do nascimento de Jean-Pierre Melville foi uma das razões para levar em frente a apresentação do trabalho do cineasta, mas a admiração pelo «franco-atirador», como também era conhecido, estava também no diretor da Cinemateca: « Nunca foi apresentada (em Portugal) uma retrospetiva integral dedicada a Melville. Temos também a honra de receber Laurent Grousset, sobrinho de Melville e presidente da Fundação Jean-Pierre Melville. Estas razões todas são suficientes para justificar a programação deste ciclo. Para além disso, uma grande parte dos direitos dos filmes do Melville fazem parte do Instituto Francês de Paris. (…) Muitas pessoas adoram o Melville. A sua obra não é assim tão conhecida. Nesse sentido, é muito bem ter aqui o sobrinho dele, que conhece muito bem o seu trabalho. Pode ajudar a dar uma “chave” ou a explicar o contexto. A retrospetiva conta ainda com 24 Heures de la Vie d’un Clown, que é uma curta metragem. O Jean-Pierre Melville não assumia esta curta devido a considerar que não é bem conseguida. Não faz parte da retrospetiva oficial, mas acho que o Melville estava a ser demasiado severo com ele próprio. É algo que faz parte da obra, achei interessante ter aqui uma pessoa a explicar este tipo de coisas. No sábado, antes da sessão do Le silence de la mer, vai decorrer uma conferência às 18h30 para contextualizar e dar algumas informações que se calhar vão permitir perceber melhor as projeções.»

Desplechin, o padrinho

Com Arnaud Desplechin como Padrinho desta edição, o evento vai exibir alguns dos seus trabalhos mais antigos e carismáticos – como La Sentinelle, Comment je me suis disputé… (ma vie sexuelle), Léo En jouant ‘Dans la compagnie des hommes’ e Rois Et Reine -, para além do seu mais recente trabalho, Os Fantasmas de Ismael, presente no último Festival de Cannes, mas que será apresentado fora de França numa versão diferente, com mais minutos que a original.

Visivelmente emocionada, Aurélie confessa que ter Desplechin na Festa era um «sonho antigo» e que para concretizar esse sonho era preciso haver uma «atualidade e disponibilidade», ou seja, preencher várias condições: «Estamos com muita sorte. Ele também foi selecionado para o Festival de Cinema de Nova Iorque, que decorre em simultâneo com a nossa festa. Conseguimos fazer uma programação alargada. Ele vai ficar pouco tempo, mas para nós é essencial. É uma das figuras emblemáticas do cinema francês, muito conhecida em Portugal. Além disso, é uma figura que inspirou muitos realizadores desta nova geração, tais como a Léa Mysius, a realizadora de Ava. É um primeiro filme, ela é uma das argumentistas de Os Fantasmas de Ismael. Por isso faz sentido que ele seja o padrinho, já que inspirou esta geração de realizadores

Com um Brilhozinho nos olhos

Durante a nossa agradável conversa com Aurelie Roguin, foi inevitável escapar a algumas sugestões por parte da organizadora da Festa, que nos foi apresentado as suas dicas, sempre apontando para o folheto da Festa com um brilho nos olhos Lights, camera, action ! Retratos do cinema, uma exposição fotográfica do membro fundador e fotógrafo da revista Les Inrockuptibles, Renaud Monfourny, foi um dos maiores destaques, até porque vai estar na Plataforma Revolver para ser vista pelo público até 4 de novembro 2017.

Outro dos realces são a secção ACID (Associação do Cinema Independente para a sua Difusão), na qual serão exibidos filmes “mais pequenos”, alguns dos quais na presença dos realizadores, que estarão disponíveis para perguntas depois da exibição dos seus filmes, e em alguns casos organizar masterclasses – que são abertas a todos. Roguin espera que o público português não se acanhe, e participe ativamente nessas sessões, até porque «não existe nenhuma pergunta estúpida“, como muitos pensam que pode ser.

Falando de filmes, a organizadora fala com maior veemencia em Le Concours, documentário que aborda os critérios de seleção para integrar La Fémis, uma prestigiada escola de cinema: «Muita gente conhece La Fémis, mas não sabe aquilo que se passa lá dentro, os critérios para entrar lá dentro. Alguns dos realizadores mais conhecidos estudaram em La Fémis, tais como o Arnaud Desplechin. O que é interessante neste filme é que alguns estudantes que se vão candidatar sabem muito bem como filmar, quais são os códigos, é um grande mestrado da técnica. O processo de seleção desta escola é interessante e filmado de forma muito acessível. Os documentários são um género que não é tão fácil. Muitas pessoas acham que os documentários são chatos. Este ano temos muitos documentários na programação, porque os realizadores escolheram este género. Isto diz alguma coisa da sociedade, daquilo que se passa.»

 

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