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“Estamos a viver uma época terrível”: arranca hoje (28/03) a Judaica

Negação, com Rachel Weisz e Timothy Spall no protagonismo, dá o arranque a 5ª edição da Judaica, que decorre em Lisboa entre 28 de março e 2 de abril – seguindo posteriormente para Cascais, Belmonte e Castelo de Vide. Os filmes são o foco da Mostra que, no entanto, alberga eventos de literatura, música, turismo, culinária, fotografia e debates diversos. Em Lisboa a programação decorre no cinema São Jorge.

A Judaica inicia com um tema quente e polémico: o negacionismo do Holocausto – com o filme britânico retratando um intenso julgamento ocorrido na Inglaterra no final dos anos 90. Neste, o negacionista da solução final nazi, o “historiador” David Irving, processou a sua congénere americana Deborah Lipstadt e a sua editora, a Penguin Books, por difamação – desafiando-a a provar em tribunal que o genocídio de milhões de judeus na 2ª Guerra Mundial efetivamente aconteceu.

Com a ascensão dos populismos xenófobos em vários países, o tema torna-se efervescente. Estamos a viver uma época terrível, diz ao C7nema a diretora da Judaica, Elena Piatok. E o mais assustador é encontrar em Portugal pessoas com um certa projeção na vida cultural do país, a defenderem estas ideias, diz.

Quanto à obra de Mick Jackson, que ganha na Judaica a antestreia nacional, Piatok observa que para alguns pode tratar-se apenas de um filme académico, mas é um muito bem atuado e escrito pelo grande David Hare. Vai fazer as pessoas pensarem. Crente nisto mesmo, a Mostra promove um debate, no dia a seguir, intitulado Negacionismo, Pós-Verdade: Defender o Indefensável?

De Trump a McCarthy

A era Trump dificilmente é invejável, mas como lembra a diretora, tampouco o eram os anos em que o McCarthismo entrava em todas as esferas da vida privada norte-americana. Em causa está o filme Indignation, outro dos destaques da programação. Baseado bo livro de Philip Roth, ostenta no currículo passagens por Sundance e Berlim no ano passado e traz a estreia na realização o antigo patrão da Focus, bastião do cinema indie norte-americano. É um filme iconoclasta e atrevido, diz. Indignation trás Logan Lerman e Sarah Gadon nos papéis principais.

O homem engolido pela sua cultura

Dos mais singulares, por seu lado, é El Rey do Once, outro exemplar vindo do Festival de Berlim do ano passado. Desta feita é o argentino Daniel Burman que usa de uma ironia corrosiva para contar a história de um exilado do Once (vivido por Alan Sabbagh) – bairro judaico de Buenos Aires. Numa visita que parecia apenas fortuita, o protagonista é literalmente engolido por aquilo que nunca deixou de ser… O humor indie é de luxo – ainda que nem sempre compreensível para estrangeiros.

Tragédias anedóticas

A sessão de encerramento ficou reservada ao conflito Israel-Palestina, tema árido e de abordagem difícil num contexto de Mostra Judaica. Mas as coisas tornam-se mais amenas se o enfoque for o do filme A Guerra dos 90 Minutos, onde o conflito será resolvido num jogo de futebol… no estádio do Leiria!

Elena Piatok não sabe bem como foi este local específico foi parar na história – mas espera esclarecer com a presença no evento do realizador israelita Eyal Halfon. O filme é puro sarcasmo e ironiza os dois lados. E o final é fantástico!.

Já o documentário O Último a Rir conta com depoimentos de Mel Brooks e Rob Reiner e investiga, com humor claro, até onde se pode rir de questões como as do Holocausto…

Comediantes e desgraçados…

Por fim, na parte lisboeta da Judaica ainda vale a pena destacar mais dois filmes. Jerry Lewis – o Homem por detrás do Cómico, traça o percurso completo de um dos reis da comédia dos anos 60 – contando com depoimentos de Martin Scorcese e François Truffaut, entre outros. O mestre da Nouvelle Vague, aliás, como outros críticos/cineastas franceses da altura, reconheciam de uma forma bem mais explícita que os norte-americanos o talento de Lewis – conferindo-lhe uma aura cult que ainda perdura…

Pior na fotografia ficou Anthony Weiner, o protagonista do aclamadíssimo e grande vencedor de Sundance 2016 na categoria documentário Weiner, de Josh Kriegman e Elyse Steinberg. O filme mostra os bastidores das eleições à Câmara de Nova Iorque, em 2013. O antigo congressista, que começou a cair em desgraça em 2011 após um escândalo sexual (envio de imagens pornográficas por telemóvel), tentou voltar à vida política – mas um novo episódio, semelhante ao anterior, complicou tudo.