Terça-feira, 19 Março

Quando as Cidades se “despem” dos seus Cinemas. A “rentrée” da Cinemateca.

Serão 3, as grandes iniciativas que marcarão a “rentrée” da Cinemateca-Portuguesa. O regresso à programação no mês de setembro será destacado principalmente com iniciativas transversais e ambiciosas que pretendem sobretudo conectar o espectador com o património residido na “Casa do Cinema” em Lisboa. Uma aposta forte para os últimos quatro meses do ano, as quais se contam um ciclo intitulado O Cinema e a Cidade, que segundo José Manuel Costa, diretor da instituição, assumirá mais que uma mostra de filmes, uma tentativa de “reforçar o diálogo entre a cidade e o Cinema“, não somente como uma arte ou um património histórico, mas também a de levar a realçar a identidade e a entidade dos mesmos.

Neste dito ciclo, estaremos a mercê de uma seleção variada com foco central na sua relação cénica, a cidade que alberga as imagens, a natureza do local onde é filmado, expondo-se não como um guia turístico, mas antes um mapa às suas respectivas “almas”. Assim como colóquios e debates itinerantes que esperam levar esta urgência do Cinema a Norte e Sul do país. “O que acontece às cidades quando perdem as salas de cinema?” esta foi a pergunta deixada pelo diretor aos jornalistas durante a apresentação dos ciclos. O Cinema e a Cidade nasce sobretudo da emergência dessa “amputação”, as salas de cinemas, mais que monumentos citadinos, casas de comunhão para exercerem uma experiência coletiva, hoje, não perdida, mas transformada, a chamada experiência de ver Cinema.

Metropolis (Fritz Lang, 1927) / Coleção Cinemateca-Portuguesa

Mas com a entrada do século XXI, as salas começaram a fechar, a rotina do cinema começou a perder-se, limitando-se simplesmente a um nicho. Um nicho que se dá pelo nome de “cinefilia”. Mas esta perda de identidade, outrora parte da paisagem urbana, tal como José Manuel Costa descreveu os “belíssimos” cinemas situados ao longo da Avenida da Liberdade (hoje só as memórias sobrevivem), é “recompensado” com uma evolução tecnológica, essa que a Cinemateca tem acompanhado de perto, sem por isso desviar do seu principal objectivo, preservar e deixar a conhecer uma rica herança que acompanhou o século XX, assim como manter viva esse tão perdido ritual.

O ciclo O Cinema e a Cidade não tem nem o intuito, nem a capacidade de responder assertivamente a tais questões. Porém, será com esta que os frequentadores da Cinemateca poderão reflectir durante o decorrer destas sessões. Tudo arrancará no dia 2 de setembro. Um dia preenchido com este turismo pelas cidades cinematográficas. Tal como descreveu Joana Ascensão, programadora do ciclo, a primeira sessão será um “double bill” entre dois filmes que se encontram lado-a-lado nas suas concepções, o primeiro, Manhattan (Paul Strand, Charles Sheeler), um dos primeiros retratos arquitetónicos da cidade de Nova Iorque na Sétima Arte. Estreado em 1921, os seus 11 minutos de duração chegaram a influenciar o jovem Fritz Lang, que seis anos mais tarde transportaria a sua percepção das grandes metrópoles com o tão célebre Metropolis (que será o segundo filme da sessão).  O dia continuará com a furtiva reconstituição de Los Angeles, em Los Angeles Plays Itself, de Thom Andersen, e o final do dia será marcado por uma sessão na esplanada com as projecções da curta de Nanni Moretti, Il Giorno della Prima di Close Up (1996) e de seguida, o incontornável Playtime (1967), de Jacques Tati, uma crucial obra que demarca a transição social e tecnológica do quotidiano urbano na sua metade do século.  

Playtime (Jacques Tati, 1967) / Coleção Cinemateca-Portuguesa

Haverá muito por onde descobrir, filmes valiosos de Henry Short (Chegada ao Cais Sodré do Primeiro Comboio de Cascais, Portuguese Railway Train em 1896), Thomas Edison, Boris Kaufman e todo um conjunto de “Sinfonias de Cidade” (inevitavelmente a projeção do mais famoso e pioneiro deles – Berlin: Die Sinfonie der Grosstadt de Walter Ruttman), passando pelo cinema mais contemporâneo desde Woody Allen a Fernando Lopes, Rossellini a Ozu, Chris Marker a Jia Zhang Ke. Destaque também para a exibição de Empire, o filme de 8 horas de duração em que o artista Andy Warhol acompanha num single shot o edifício Empire State, em Nova Iorque.

Outro ciclo apresentado aos jornalistas e que terá principal destaque durante o mês de setembro intitula-se de “1917 no Ecrã“. José Manuel Costa cita Jean-Luc Godard no seu Histoire(s) du Cinéma para arranque da apresentação: “Aquilo que passou pelo cinema e foi por ele marcado, já não pode entrar noutro sitio“. Com tal, faz diálogo com o ciclo anterior, expondo novamente a importância do Cinema durante o século XX e como este, o poder de reescrever a História da Humanidade, substituindo factos por imagens definidas e próprias. Por vezes a ficção torna-se mais verdadeira que a própria verdade, e é nessas “lendas” que se concentra a Historia escrita, a vencedora de toda uma difusão. 1917 foi o ano da grande Revolução Russa, a Revolução de Outubro que encontrou-se presente nas vanguardas do cinema russo.

Oktiabr (Serguei Eisenstein, 1927) / Coleção Cinemateca-Portuguesa

Trta-se importância de disseminar as suas doutrinas politicas através do visual, assim como narrar todo um conflito em prol dessa ideia, não com uma descrição fiel, mas uma representação sentida e vivida. O ciclo trará não só um leque importante de filmes sob a temática da Revolução, como algumas produções do ano com especial concentração nas ideias transladadas do conflito, para depois seguir numa jornada em rumo de outras perspetivas à histórica data. Sergei Eisenstein encontra-se claramente inserido na selecção, com dois dos seus amados filmes, O Couraçado de Potemkine e Outubro. Porém, teremos a dispor outros seus colegas da chamada vanguarda bolcheviquista (Vertov, Kulechov e Pudovkine). Michael Curtiz, Cecil B. DeMille, Jacques Feyder, Warren Beaty e Peter Von Bagh são outros dos nomes que poderemos encontrar.

A acompanhar este ciclo e sob a rubrica de Histórias do Cinema, a Cinemateca-Portuguesa convidará o historiador e arquivista de cinema Peter Bragov para estar presente num conjunto de sessões dedicadas a um dos esquecidos, mas igualmente relevantes cineastas russos, Fridrikh Ermler.

Pered Sudom Istorii (Fridrikh Ermler, 1965)

Como terceiro grande ciclo, o Museu do Cinema dedicará apreço a uma das caras mais reconhecidas do Cinema Português… e não só. Luís Miguel Cintra será o homem de setembro, com sessões dedicadas à sua filmografia, passando pelo seu trabalho com muitos dos cineastas nacionais mais conceituados – Manoel de Oliveira, Pedro Costa, Joaquim Pinto, João César Monteiro, etc – até às colaborações internacionais como The Dancer Upstairs, de John Malkovich. A Cinemateca ainda dará Carta Branca ao ator para escolher alguns dos filmes que mais contagiaram a sua carreira. A ter início no dia 4 de setembro.

Para além destas apostas fortes, a instituição continuará a sua cumplicidade com alguns dos festivais portugueses, como por exemplo o MOTELx (com uma selecção de cinema de terror latino-americano), a Festa do Cinema Francês (retrospetiva integral de Jean-Pierre Melville) e Doclisboa (cinema produzido em Québec, Canadá). Ainda há as promessas de um dedicado a Jean-Marie Straub com um integral da dupla Straub-Huillet, um ciclo sobre a série B de Hollywood e ainda a temática do «O Medo» a ter lugar nos princípios de 2018.

A Cinemateca Portuguesa regressará ao ativo já no primeiro de setembro, com uma homenagem à recém-falecida atriz francesa Jeanne Moreau. Nesse mesmo dia será exibido o tão mítico Jules et Jim, de François Truffaut, e ainda The Immortal Stories, de Orson Welles. 

Luís Miguel Cintra em Nem Pássaro, Nem Peixe (Solveig Nordlund, 1978) / Coleção Cinemateca-Portuguesa

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