Sexta-feira, 19 Abril

“Não queria contar uma história toda ela muito factual”, diz Patrícia Sequeira sobre «Snu»

Com duas dezenas de anos de experiência a contar histórias e a realizar projetos televisivos, Patrícia Sequeira chegou apenas em 2015 ao Cinema com Jogo de Damas.

Descrita como “cineasta revelação” após esse primeiro filme, título que lhe faz alguma “confusão” dada a sua vasta experiência a filmar na TV, onde se incluem trabalhos premiados com um Emmy (Laços de Sangue) ou distinções no Monte Carlo Television Festival, Patrícia Sequeira entrega agora com este Snu a sua segunda longa metragem. Um projeto que diz que não nasceu em si, mas pelo qual se apaixonou completamente. Estivemos à conversa com a realizadora. Aqui ficam as suas palavras…

Como é que começou este projeto?

Essa parte é menos romântica do que normalmente seria. Sempre achei que iria contar e viver as minhas histórias, mas neste caso, e logo ao segundo filme, apareceu-me o convite. E era um convite que tinha tantas hipóteses de eu pôr a minha mão nele, que decidi considerá-lo.

Quando soube que a história seria sobre Sá Carneiro e a Snu, conhecia algumas coisas sobre ele, mas dela sabia muito menos. Apaixonei-me completamente por esta história de amor, por esta perspetiva de poder contar a história pelo amor.

Este amor teve para mim uma importância extrema, foi um amor polémico naquelas circunstâncias. Assim, achei que tinha pertinência falar-se disso 40 anos depois e aceitei o convite do José Gandarez. E fiz do filme algo meu, apropriei-me dele.

Essa paixão e esse apropriar nota-se na sua forma de filmar algumas sequências…

Mesmo na empresa em que trabalho, acho que as coisas têm de ser de cada um. Claro que depois, podem dizer que o filme foi guiado pela Snu, pela figura feminina, ou seja, foi algo mais do que meu, embora a ideia inicial fosse mesmo a história de amor.

E como trabalhou com os atores? Neste caso, como é o seu método de trabalho com eles?

Após a escolha deles, fizemos um período de ensaios. Antes disso eu forneci-lhes tudo o que podia. Comprei todos os livros possíveis, que existiam, e tive uma historiadora e uma pesquisadora – Helena Matos e Luísa Amaral – a ajudarem-me a encontrar tudo sobre eles.

Entretanto, com todo esse material reunido, eles foram estudar, sem que eu – a controlar – pudesse dar “imputs” tendenciosos. Foram assim trabalhar e muito.

O interessante é que depois, quando iam chegando, tinham algumas certezas. Quando chegaram os ensaios, as certezas começaram a virar dúvidas, o que é muito mais interessante para se voltar a trabalhar e voltar a ler o que já se tinha lido. Isso também me aconteceu.

Depois, o que acho interessante é que quando começamos a fazer os ensaios em sala, primeiro com a Sara Carinhas, só com os atores, e depois comigo, a ver o trabalho que tinha sido feito e a dar o meu toque e aquilo que eu queria. Eu queria que eles se desligassem da Snu e do Sá Carneiro, pois já estavam vidrados neles há muito tempo. Queria que se libertassem deles, pois certamente já os tinham absorvido.

Foi um trabalho muito giro. Por exemplo, a Inês [Castel-Branco] mexe-se muito. É uma atriz que se mexe constantemente e eu cheguei a prender-lhe as mãos para ela parar quieta. Esta contenção tem de estar em tudo.

Foi giríssimo e apaixonei-me pelos dois [atores]. A Inês já conhecia há muito tempo, e o Pedro [Almendra] achei extraordinário. O Pedro foi escolhido, não só por ser um belíssimo ator, mas porque também achava que dificilmente iria encontrar uma cara parecida ao que o papel [de Sá Carneiro] exigia.

E como foi o jogo entre imagens reais e encenadas? Aliás, há um plano que considero excecional, que é aquele em que filma o Sá Carneiro no discurso na TV e apanha a câmara que o filma, na qual está o vídeo do discurso do verdadeiro Sá Carneiro.

Esse plano foi um desafio da realização em brincar também com a história. Eu queria dar a ideia de mostrar o Pedro como Sá Carneiro, mas achei muito tentadora a ideia de usar imagens reais do verdadeiro. Assim, usei da mesma liberdade que eles usaram, estas duas pessoas. Eles lutaram pela liberdade, porque não eu ter a mesma liberdade? E quis brincar com isso porque faz parte da forma de como eu estou metida nisto. Não queria contar uma história toda ela muito factual. Queria ter muitos espaços em branco que a História não resolveu, pois era aí que eu teria a minha intervenção, a minha poesia, coisas que podem não ter sido assim, mas que podiam ter acontecido. Portanto, usei várias vezes em alguns momentos essa liberdade.

E apesar de ser um filme sobre o amor dos dois, era impossível escapar à política. Por exemplo, o Mário Soares não sai muito bem na história…

Diz bem. Na história.

Pensa que pode ser levantada algum tipo de polémica em torno disso?

Nesse caso, confesso-lhe que não arrisquei. É público o que ele disse, está publicado o que disse. É evidente que aí entra o contexto político, o que o levou a dizer aquilo, o fervor daquela altura que levou a esse aproveitamento político.

Mais tarde o Mário Soares falou desse tema. Aconteceu assim. Estranho seria eu não usar uma coisa destas. Existem dúvidas sobre essa afirmação, no sentido de onde é que foi proferida, se num comício ou na imprensa. Há várias versões…

No filme dizem que foi num comício…

Sim, porque eu achei que o Mário Soares seria demasiado inteligente para por aquilo por escrito. Escrever na imprensa é algo que se pensa. Num tempo de antena, também não seria. Também havia a hipótese de ter sido dito num debate, mas estando na televisão [Mário Soares] ia ter mais contenção. Agora, a versão que foi num comício no Algarve acho perfeitamente possível, fruto daquela multidão. Nesse discurso poderia ter saído essa frase.

Fiz uma escolha e isso para mim é o mais giro e interessante na minha profissão.

Voltando ao sentido romântico que falou no início, quando começou tinha a ideia de seguir mais TV ou Cinema?

Eu nasci na televisão. Na verdade, se me pergunta em qual pensei no meu caminho, não pensei. Apaixonei-me, como felizmente me acontece com frequência, até na forma de cozinhar qualquer coisa. Não fiz um desenho daquele que queria que fosse o meu caminho, pois estava demasiado interessada e motivada no que estava a fazer.

Começando na TV, esta encantava-me por poder contar histórias de ficção e ter trabalho regularmente. E as coisas foram-me acontecendo, felizmente, com algum sucesso.

Depois comecei a pensar que tinha histórias que gostaria de contar no cinema, mas também só comecei aos 40 anos [Jogo de Damas, 2016]. Só fiz o meu primeiro filme aos 40 anos e em Portugal é muito estranho começar com essa idade. Houve uma coisa até, nessa altura, no Lisbon & Estoril Film Festival, que disseram que eu era uma “revelação”. (risos). É um bocado estranho, eu fazia realização há tantos anos, pelo menos há 25 anos que eu realizava ou contava histórias em novelas e séries, algumas premiadas lá fora. Digo lá fora porque às vezes parece que é mais impactante…

 

Mas o Jogo de Damas também foi premiado “lá fora”.

Sim, teve em vários festivais. Ganhou um total de 18 prémios.

Eu achava que já fazia tempo de trabalhar em cinema. ‘Acho que consigo’. Já tinha muitas horas de “voo” a fazer ficção, acho que consigo fazer uma coisa interessante. E tentei. E vou tentando até melhorar.

E tem algum projeto de sonho que gostasse de levar ao cinema?

Tenho causas de sonho. Sou muito apaixonada, muito sensível à 3ª idade e com certeza esse é um tema que quero pegar. Já tive dois guiões na mão, mas acho sempre que ainda falta qualquer coisa, que ainda se tem de trabalhar mais. Mas, se me perguntar… sonhos tenho imensos.

Sou uma pessoa que gosta imenso de rir e de me divertir, e os meus filmes têm sido um bocadinho, não digo tristes, mas densos. Adorava fazer uma coisa divertida. Não seria uma comédia daquelas de rir às gargalhadas, seria algo mais de ficarmos com a sensação de estarmos bem. Espero que este filme cause isso, que seja inspirador. O amor é um tema do qual ainda não se fizeram [cá] muitos filmes decentes. [Quero fazer] qualquer coisa que nos deixe bem dispostos..

Tem algum projeto agora? Vai continuar na TV, no Cinema?

Tenho. Estou a trabalhar numa série e tenho vários projetos na minha produtora, a Santa Rita Filmes, que nasceu há um ano e já assinou a coprodução de uma série de verão e este Snu. Estamos agora a desenvolver um novo projeto…

E com a entrada agora das plataformas de streaming, acredita que pode haver mais trabalho

Completamente. Acho que a Santa Rita é uma produtora muito bem posicionada, pela minha experiência e pela experiência da minha produtora executiva. Sou uma otimista. Otimista do trabalho…

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