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«Temblores» faz a terra tremer no Festival de Miami

Depois da vitória do mexicano Alfonso Cuarón na disputa pelo Oscar, com Roma, e da alta expetativa que cerca o chileno Sebastián Lelio na direção de Gloria Bell, com Julianne Moore, o cinema latino-americano anda em alta nos EUA, o que justifica espaço nobre para títulos em espanhol ou português do Brasil no Festival Internacional de Miami, iniciado na sexta, na Flórida.

Produções inéditas de estrelas mundiais da autoralidade como a francesa Eva Ionesco (Une jeunesse dorée), o austríaco Hans Weingartner (303), o chinês Zhang Yimou (Shadow) e o “divo” parisiense Olivier Assayas (Vidas duplas) vão passar pelo evento até o dia 11, em diferentes vitrines competitivas. Mas tem um guatemalteco, vindo da Berlinale, que anda ofuscando a concorrência dos europeus e asiáticos, vitaminado por essa avidez pela estética hispano-americana. Centrado no processo de “reeducação sexual pela fé” de um consultor financeiro que se sentiu mais feliz nos braços do seu namorado do que no seu casamento heteronormativo, o drama Temblores (ou, literalmente, Tremores) frequentou as listas dos melhores filmes do 69º Festival de Berlim sempre em posições de destaque. É uma vitória para o ainda incipiente cinema da Guatemala (onde, anualmente, só uma longa metragem de ficção consegue espaço internacional) e uma conquista ainda maior para o mais premiado realizador daquelas terras: Jayro Bustamante.

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Aos 42 anos, ele ganhou notoriedade em 2015, quando a sua fita de estreia na direção, Ixcanul – sobre as descobertas afetivas e sexuais de uma jovem indígena, à beira de um vulcão – virou sensação na Berlinale. Foram 22 prémios, no arranque. Agora, ao fazer tremer a homofobia guatemalteca, a partir da história de Pablo (Juan Pablo Olyslager) no meio de uma cura gay (uma das polémicas mundiais do momento), Bustamante faz um balanço do quão intolerante a América Latina é.

O quanto as religiões, na Guatemala, condenam a homoafetividade?

Como em qualquer país latino, onde o machismo impera, você ser gay, índio e comunista torna-te um excluído. Na Guatemala, não existe uma proibição oficial a se viver uma relação homoafetiva, mas o cerco moral é violento, até porque, lá, em muitos cultos de credos evangélicos, os gays e as lésbicas são odiados. A Igreja Evangélica tem muito poder nas classes menos abastadas, entre as quais dissemina a ideia de que curar um gay é amar um gay.

Há cerca de duas semanas, levantou-se uma polémica na imprensa brasileira, abafada já, de que o filme Boy Erased, de Joel Edgerton, teria seu lançamento no Brasil vetado por falar de “cura gay”, um assunto espinhoso à moral que é associada ao governo Bolsonaro. A sua distribuidora, a Universal, já negou essa hipótese: o cancelamento foi motivado por razões comerciais. O próprio Bolsonaro afirmou nas redes sociais não ter tido envolvimento com o caso. Como você imagina que a carreira do seu Temblores pode vir a ser num Brasil de controvérsias e fake news assim?

Na Guatemala, a maioria dos currículos enviados a empresas, por candidatos a vagas de empresa, trazem a religião da pessoa discriminada. Por aí você já tira a conclusão de como o meu país é. Lá, a pessoa que resolve “sair do armário”, assumir-se, precisa passar por um psicólogo para ter a certeza de que não está confusa. Não sabia desse caso do Brasil e não sei como vamos ficar. Berlim quis-nos, pelo menos.

O quanto essa passagem pela Berlinale oxigena a indústria cinematográfica guatemalteca?

Antes de Ixcanul, nenhuma longa de ficção nossa havia tido visibilidade num festival europeu de tamanha importância. Venho de um país de população maia, de gente ameríndia. Mas lá, quando eu estava a começar aquele projeto, muita gente dizia que eu não iria adiante, pois a classe média não pagaria bilhetes para ver índios nos cinemas, uma vez que pode vê-los, de graça, nas ruas. Depois que o filme deu certo, as minhas atrizes tornaram-se celebridades. Como a indústria lá é muito pequena e recente, existe a curiosidade pelo que aparece. Não sei se Temblores passa ou não. Mas há expetativa.

Qual é a noção de felicidade que cabe num mundo como o de Temblores?
Liberdade. Ser feliz é ser livre para ser o que se deseja.

Nesta sexta-feira, o Festival de Miami recebe Ridley Scott para a sessão de gala de Alien – O oitavo passageiro (1979), comemorando os 40 anos de sua estreia.