Terça-feira, 16 Abril

Wolf-Eckart Bühler: à procura de Sterling Hayden

Um dos grandes destaques da Kino – Mostra de Cinema de Expressão Alemã foi a dupla exibição de  dois trabalhos de Wolf-Eckart Bühler: um documentário (Farol do Caos, 1983) e um filme de ficção (O Náufrago, 1984). O denominador comum é se focarem no ator Sterling Hayden.

Promovido no início da sua carreira como “O Homem Mais Bonito do Cinema” e “O Belo Deus Viking Louro”, Hayden interrompeu a sua carreira para combater na 2ª Guerra Mundial, regressando anos mais tarde com Chamas do Alvorecer (1947). Depois disso, trabalhou com grandes nomes da realização, como Robert Wise (Vida da Minha Vida, 1953), Nicholas Ray (Johnny Guitar, 1954), e Stanley Kubrick (Um Roubo no Hipódromo, 1956).

Foi nesta época que se filiou no Partido Comunista norte-americano, mas durante o macartismo delatou alguns colegas e confessou a sua ligação aos comunistas, algo que viria a arrepender-se mais tarde, numa realidade transparecida nestes dois trabalhos de Wolf-Eckart.

O Farol do Caos

Aproveitado a sua passagem por Lisboa, o c7nema esteve à conversa com o realizador, o qual conta ainda no seu curriculum com o trabalho de crítico de cinema. Aqui ficam as suas palavras:

Qual foi a primeira coisa que o atraiu ao Sterling Hayden e o fez fazer estes dois filmes?

A primeira coisa foi o livro, pois li ainda antes de ver os seus filmes. Dois anos depois de ver os filmes, li o livro novamente. Anos mais tarde, quando se voltou a falar muito da lista negra de Hollywood, li pela terceira vez.e decidimos fazer um filme em torno disso. Entre esta decisão e o filme, foram menos de 10 anos.

Existiam muitos outros nomes ligados à blacklist de Hollywood, porque escolheu o Sterling? Era a a lista negra de Hollywood o único foco de interesse nele?

Claro que não. Quando vi filmes como Johnny Guitar, vi um ator como nenhum outro em Hollywood, pelo menos para mim. (…) Mais perfeito que qualquer outro. Também gostei muito dos seus livros. Por isso, foi a conjunção dos seus livros e dos seus papéis que me levaram até ele.


Sterling Hayden em Johnny Guitar

O Naúfrago não é o biopic convencional. Alguma vez passou pela sua mente fazer uma cinebiografia mais convencional?

Não. Quando o Sterling contou-me que o Robert Redford quis comprar os direitos de adaptar o livro, eu sabia que tipo de filme ele iria fazer. Parecia-me ridículo para mim essa ideia; o Redford e o Sterling eram de dois mundos diferentes. Por outro lado, eu nunca procurei um ator, qualquer que fosse, para interpretar o Sterling. Para mim isso estava fora de questão.

E ainda é dono dos direitos de adaptação do livro?

Não tenho bem a certeza. Normalmente compramos os direitos durante alguns anos; cinco, dez, dois anos. Depende. Não tenho bem a certeza sobre o meu contrato.

Nunca houve conversas de algum estúdio de Hollywood querer esses direitos?

Neste momento, já não. Nos anos 60 e 70 houve muitos interessados, mas os anos 80 foram diferentes.

No documentário, O Farol do Caos, alguns críticos apontaram que optou por um laissez-faire, por um deixar andar (filmar). A sua ideia foi sempre essa ou foi algo improvisado na altura?

Algumas vezes foi difícil filmar. Às vezes, ele estava mesmo em má forma, a beber. Em demasiado mau estado, mesmo! E algumas vezes eu disse para não o filmarem… Não era justo mostrar o homem assim. Mas no barco, e como ele gostava de citações, enquanto ele as conseguisse fazer, eu deixava filmar (…)

Estando ele em tão má forma, qual foi a primeira coisa que reparou nele, no seu estado de espírito. Não falo do ponto de vista da câmara, mas do ser humano. Qual foi a primeira coisa que lhe transpareceu nele e aquilo que você sentia em relação a ele?

Amor. Amor e respeito. Admiração e dor.



O Náufrago

Também foi crítico de cinema, ainda trabalha nisso?

Já não

Mas ainda lê críticas?

Nos jornais, sim. Mas já não de forma profissional.

Como vê hoje em dia a crítica de cinema?

É mais difícil hoje em dia que no meu tempo. As pessoas hoje veem o cinema de forma diferente. Eu não faço ideia como os jovens de vinte anos veem os filmes. Não tenho filhos, não tenho amigos dessa idade. É algo que está distante para mim. Tal como a maioria dos filmes hoje em dia. Não vejo blockbusters, a cultura dos super-heróis…

Há algum filme que viu recentemente que tenha gostado muito.

Sim, claro. Hell or High Water – Custe o Que Custar! (2016), gostei bastante. E do Três Cartazes à Beira da Estrada (2017). Este tipo de filmes, fico feliz de ainda existirem em Hollywood. Mas a maioria dos filmes de lá, não gosto.

E como vê o cinema na Alemanha?

Não está em grande forma. De todo. Embora esteja satisfeito com alguns filmes, um deles foi exibido aqui: In den Gängen (Entre Corredores). Também gostei de outro filme deste realizador (Thomas Stuber), o Herbert (2015), que tinha um tema muito americano, de um pugilista a envelhecer e tentar sobreviver com isso. Mas ao mesmo tempo, ele fez dois filmes para a TV bastante terríveis, por isso ainda não entendi bem o seu estilo. Mas estes dois filmes, feitos para cinema, são perfeitos.

E acha que esta coisa das plataformas de streaming, a Netflix, a Amazon, são uma boa coisa para o Cinema ou está a matá-lo?

Está a matá-lo. Eu não uso essas plataformas.

Voltando à lista negra de Hollywood, viu outros filmes sobre esse tema. O Trumbo (2015)? O Boa Noite, e Boa Sorte (2005)?

Vi, gostei de alguns. Mas a maioria deles não me lembro. Embora tenha havido uma grande retrospetiva em Berlim recentemente, não sei se sabe…

Não tinha conhecimento…

Sim, foi uma retrospetiva em setembro com 40 ou 50 filmes de cineastas da lista negra. Isto também foi apresentado numa pequena escala em Zurique. Mas quando eles viram os meus dois filmes em Locarno, já tinham encerrado o programa.

E como foi a receção aos seus filmes em Locarno?

Foi muito boa. Tive a impressão de, embora fosse uma pequena audiência, que conseguiram empatizar, não apenas com as personagens, mas com a ideologia apresentada. Na semana passada estive no MoMA, em Nova Iorque, e disse, depois da exibição de O Naúfrago, que tinha visto grande parte dos presidentes norte-americanos no ecrã, desde o Nixon, e agora vejo o pior de todos.

O Trump…

Sim. Eles ficaram muito contentes com isso que eu disse. Foi uma boa experiência em Nova Iorque

E em Lisboa. Tem sido uma boa experiência? Está a gostar estar cá?…

Sim, claro. A audiência podia ter sido maior, mas sim. Estive em Lisboa há 7 anos, apenas para me divertir durante uma semana e gosto da cidade. Estou feliz por estar aqui outra vez.

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