Quinta-feira, 28 Março

Christophe Honoré e a música da resistência

Ainda sem data de estreia em Portugal, Plaire, aimer et courir vite (Conquistar, amar e viver intensamente“, no Brasil) é um dos títulos que mais mobilizam a imprensa no Rendez-vous Avec Le Cinéma Français, cuja 21ª edição começou na quinta-feira, em Paris. O seu realizador não veio, apenas os atores Pierre Deladonchamps e Denis Podalydès, mas o respeito a Honoré aqui é grande.

Respeitado no universo da literatura, por romances como Tout contre Léo (1995), e elogiado nos palcos em seu trabalho como encenador, Honoré virou um quindim para a crítica francesa, arrebatando uma legião de fãs, quando lançou o musical Canções de amor (2007), aos 37 anos, sendo definido como um herdeiro de Jacques Demy (1931-1990). A comparação com o mestre por trás de Os guarda-chuvas de Cherburgo (1964) veio pela maneira como ambos redefiniram o uso não realista da música como diálogo, reinventando o lirismo a partir de um diálogo com problemas concretos (e existenciais) do dia a dia.

A diferença é que Honoré deu uma mão de tinta a mais nas cores homoafetivas de seu universo de desamor e de paixões condenadas pela Sida, como se viu em Os Bem Amados (2011), no qual ele dirigiu Catherine Deneuve e o cineasta Milos Forman. Agora, aos 48 anos, ele volta aos ecrãs sem música, mas carregado de romantismo, naquele que muitas críticas definem como seu melhor filme: Plaire, aimer et courir vite foi indicado à Palma de Ouro em Cannes, de onde saiu ovacionado.


Christophe Honoré, Vincent Lacoste e Pierre Deladonchamps

Fora da Croisette, a longa metragem rendeu um duplo prémio de melhor ator a Vincent Lacoste e a Pierre Deladonchamps no Festival de Sevilha. Eles protagonizam um romance com prazo de validade vencido desde o começo, em parte por imposição da moral francesa, em parte pelos medos de ambos, que passam pelo HIV. Na trama, o bem-sucedido Jacques (Deladonchamps) é um escritor e dramaturgo de Paris, já maduro e bem resolvido com o seu prazer. Já Arthur (Lacoste) é o contrário dele: mais jovem, cheio de gás, ele vem da região de Rennes, com mil sonhos ligados ao cinema. Os dois esbarram nas ruas, na arte e na cama. Mas o querer é um verbo manhoso. Na entrevista a seguir, em Cannes, Honoré disseca essas manhas.

Qual é o seu lugar hoje no cinema francês, diante de uma sociedade na qual a afirmação da homoafetividade deixa os nichos, embora ainda patrulhada pelo preconceito?

Houve uma época em que se falava em “cinema gay” e era assim que os meus filmes eram rotulados. E era um rótulo de consumo. As coisas mudaram, mas eu me sinto parte de um lugar de preservação da ideia de que nem todo filme precisa ser “para todos”. Há um lugar comum em França que se opõe a uma arte mais intelectualizada, em oposição a narrativas mais sofisticadas, com a proposta de que a troca de ideias comum na nossa tradição cinéfila não tem mais lugar. Há um culto ao cinema de género, uma defesa de que todos nós, cineastas, precisamos investir em “produtos” de adesão coletiva em vez de apostarmos em histórias pessoais. Mas as histórias que tenho para contar não são pensadas por número de espectadores. Venho da literatura, da experiência solitária do leitor e do livro. Fazer cinema, para mim, sempre foi uma experiência solitária, cercada de emoções conflituantes. Mas, aqui, a sensação de algo que não caminha, de uma paixão num impasse, é o que mais me interessa. E é o que eu tenho para dizer, com o máximo de sinceridade.

Muitos de seus filmes abordam o cotidiano dos seropositivos, uma escolha autoral sua que se torna mais do que oportuna neste momento em que pesquisas médicas apontam para um aumento do contágio da Sida. O que torna a doença um assunto central no seu cinema?

A caminho dos 50 anos, eu pertenço a uma geração que escapou de se infectar, mas que viveu as suas primeiras experiências sexuais à sombra da Sida, com medo da contaminação, vendo os nossos ídolos gays morrerem doentes. A Sida sempre esteve com a gente, como um fantasma, mas também como um balizador do desejo. E o cinema vem do desejo.

Você ganhou fama nos anos 2000 como um artesão do musical, apostando num registo não realista. Mas Plaire, aimer et courir vite é uma narrativa quase naturalista em seu registo do cotidiano. Como dirigiu Pierre Deladonchamps e Vincent Lacoste?

Embora eu venha da literatura, não tenho obsessão pelas vírgulas ou pelos acentos agudos do meu texto: o meu guião existe para ser reinventado no set. Por isso, eu não ensaio, pois prefiro trabalhar com a matéria viva da descoberta. Janto com os atores, converso com eles, dou referências do que ver ou ler e parto para um processo de interação no qual os atores personalizam a história que tenho para contar.

De alguma maneira, a sua maturidade pessoal e profissional pesa na amargura que há em torno das personagens?

Estou num momento em que vejo uma série de jovens de 20 e poucos anos que me responsabilizam pela sua escolha em fazer cinema por conta de terem visto o meu Canções de amor quando eram muito novos. Eu já estou num momento de perceber uma distância geracional entre mim e uma nova linhagem de diretores. De facto, este é um filme mais pessoal, mas por várias razões, a começar por uma reflexão sobre o que foram os anos 1990. O que fomos nos anos 1990.

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