Quinta-feira, 28 Março

“Gosto de realizadores que contam as histórias de gente real”, diz o responsável por «A Árvore da Discórdia»

Num subúrbio pacífico, duas famílias entram numa verdadeira guerra devido aos ramos de uma árvore, que afectam dois quintais. A escalada de tensão e a violências reinam nesta comédia dramática muito negra de Hafsteinn Gunnar Sigurðsson, realizador de filmes como Either Way, que originaria um remake americano denominado Prince Avalanche.

Estivemos a conversa com o realizador, que nos explicou a origem da ideia, a sua preferência pelo humor negro, o trabalho com atores e como o seu filme já foi adquirido para ser refeito nos EUA.

Aqui ficam as suas palavras:

 

Como nasceu a ideia para o filme?

Na Islândia há muitos conflitos em torno de árvores. Conflitos que se tornam muito intensos, violentos. Há pessoas que têm árvores muito bonitas e ficam emocionalmente ligados a elas. Ao mesmo tempo, não temos muito sol no verão e se as pessoas não conseguem ter esse sol a bater nos jardins elas fazem tudo para que isso aconteça. Claro que algumas histórias reais inspiraram o filme, mas o enredo deste filme é completamente ficcional.

Você usa muito humor negro no seu filme, é assim que vê as coisas no dia a dia, tem algumas influências para essa opção, de realizadores, por exemplo?

Eu tendo a ver o lado engraçado da vida no quotidiano, coisas que não são assim tão engraçadas à superfície. Este é um drama familiar, mas eu tendo a aligeirar o tom em alguns momentos, o que dá alguma dinâmica à narrativa. É importante encontrar estes contrapontos na história, encontrar estes momentos mais negros, dando uma oportunidade de rir deles. Eu estou interessado nas pessoas, em estudá-las, é por isso que faço filmes. Eu tendo a gostar de realizadores que contam as histórias de gente real, com problemas reais. É essa humanidade que gosto no cinema.

Foi importante localizar a ação naquela espécie de subúrbios das cidades?

Sim. Eu queria esta história nesta espécie de local sossegado, aparentemente pacífico. Um mundo onde a violência está de certa maneira longínqua. De certa maneira, é uma história Universal, podia acontecer em qualquer lado.

É um filme com uma grande evolução da violência. Como preparou o papel da atriz [Edda Björgvinsdóttir] que desempenha o papel de uma mulher que perdeu um filho e que vê o outro filho regressar a casa por problemas com a sua esposa?

Ela é uma personagem muito interessante e complexa. Ela é uma atriz conhecida na Islândia pelas comédias e nunca tinha interpretado um papel dramático deste calibre. Eu quando fiz o casting procurava atores com grandes capacidades de comédia. Existe um lado muito forte de comédia neste filme, mas eu não queria puxar por ele. Queria que alguém o apresentasse de maneira natural e ela tem a capacidade natural de sarcasmo nela. Ela também estava muito interessada em fazer algo diferente, que nunca tinha feito anteriormente. Na verdade, o meu trabalho de direção de atores foi fácil. Era só os colocar nos espaços do filme. Todos eles deram muito ao filme.

E como é a sua interação com os atores? Dá-lhes o guião e segue-se à risca ou deixa espaço para eles darem os seus contributos?

Eu gosto muito de trabalhar com atores e dou muita importância aos ensaios. Normalmente começo o trabalho duas, três semanas antes das filmagens. Nisso tento criar um ambiente em que todas as ideias são bem-vindas, E há muitas coisas que os atores lançam nessa altura. Depois começamos a ensaiar num estúdio e na última semana antes de filmar vamos aos espaços chave das rodagens e ensaiamos aí. Aí também tenho os homens da câmara, de maneira a vermos como vamos filmar as cenas. Este é o método que uso em todos os meus filmes. É algo que agrada bastante aos atores, Nas filmagens estamos sempre a mudar de locais, por isso é importante criar um ambiente para os teus atores estarem bem durante cerca de 40 dias de filmagens em sítios cheios de luzes e pessoas. Por isso eles gostam bastante deste método, de ter o seu tempo para descobrir os espaços, de ligarem-se a ele. É algo de grande valor, porque como sabe o tempo é valioso quando se filma. Por isso, se eu conseguir tomar todas as decisões criativas antes de começar as filmagens, poderei aproveitar melhor o tempo nas filmagens com a equipa. Por isso sim, gosto muito de preparar e trabalhar com os atores e nisso criar uma boa relação com eles.

Foi o realizador do Either Way, que teve um remake na forma do Prince Avalanche. Vê este filme também a ser refilmado?

Sim, Na verdade, já vendemos os direitos para um remake nos EUA. Não posso adiantar a quem, mas não me surpreende mesmo nada vermos uma versão americana do filme.

E gostou do Prince Avalanche?

Sim, gostei. Era bastante diferente do meu filme, mas ao mesmo tempo muito fiel à ideia geral. O David [Gordon Green] foi muito fiel ao guião, mas ao mesmo tempo fez as coisas muito à sua maneira. Eu estava muito curioso e ver como ele trabalhava no guião

E considera a hipótese, como o Michael Haneke e o Funny Games, em filmar a versão americana de um filme seu?

Já pensei nisso, mas sempre considerei que já tinha feito o meu filme. Prefiro seguir e frente e fazer outra coisa. Não sinto a necessidade de o refazer, prefiro passar a outro projeto.

O seu filme abriu em Veneza. Como foi a reação a ele lá?

Foi mesmo boa. Uma grande experiência. É um festival fabuloso, num local que parece saído de um conto de fadas. Foi muito bem recebido, as críticas muito positivas. Foi uma experiência muito agradável.

E está já a preparar um novo projeto? Pode falar dele?

Estou a trabalhar numa série de TV na Islândia, algo que espero filmar no inverno. É uma comédia dramática sobre um herói nacional caído em desgraça. Era o capitão da equipa de andebol da Islândia. Também estou a escrever um filme, talvez o meu primeiro em inglês. Ainda estou numa fase preliminar.

Mas vai ser filmado na Islândia ou noutro local, como os EUA?

Vai ser parcialmente filmado na Islândia, mas com um elenco internacional.

E vê-se a si, como o Baltasar Kormákur, a emigrar para os EUA e a filmar lá?

Eu estudei lá. Eu vivi em Nova Iorque quatro anos. É uma ideia que está presente em mim, fazer um filme lá, mas não é uma espécie de objetivo de vida, fazer um grande filme de Hollywood, mas se o projeto certo chegar, estou aberto a essa hipótese. Mas confesso que não tenho como objetivo fazer grandes filmes em Hollywood.

Já que está a trabalhar numa série de TV, o que tem a dizer das novas plataformas. Não tem nenhuma objeção em trabalhar para um serviço de streaming? Há muita discussão sobre as novas plataformas e o cinema. Como se posiciona nesse debate?

Eu entendo os argumentos de cada um dos lados e acho que os filmes devem ser vistos no cinema, mas as pessoas também têm o direito a escolher se querem ver nas salas ou na sua TV. É algo que não podemos controlar. Se um serviço de streaming financia um projeto e essa será a única maneira de fazê-lo, porque não? Não tenho problemas com isso. Mas percebo o argumento do cinema. Eu prefiro ver os meus filmes no cinema.

Creio que é só um período de transição que estamos a passar. Não acredito que o cinema vai morrer ou parecido. É como o teatro. Porque vão as pessoas ainda ao teatro ver peças?

Já que estamos numa altura em que se fala muito dos melhores filmes de 2018, houve algum que tenha gostado muito?

Posso nomear Border, um filme sueco. Gostei mesmo muito. Foi um trabalho muito inspirado.

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