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Sabrina Fidalgo à flor da pele: realizadora carioca desafia paradigmas de representação


A cineasta carioca Sabrina Fidalgo é uma referência no debate do empoderamento feminino nos sets

Folia em forma de gente, capaz de sintetizar no sorriso a inquietação diante dos vícios brasileiros de produção de filmes e a ousadia de transgredir padrões de representação, Sabrina Fidalgo, cineasta carioca de 38 anos, anda com a agenda sempre a transbordar de convites para debates: ora sobre a condição feminina, ora sobre o lugar na fala dos artistas negros brasileiros, ora sobre filmes indicados ao Oscar, ora sobre tudo. E não é por um possível perfil generalista, é que a diretora de filmes premiados como Rainha (2016) conquistou um respeito singular no Brasil pela contundência de suas ideias, a poesia de sua filmografia e a generosidade de seu olhar sobre as relações sociais.

Os seus filmes já foram exibidos em mais de 200 festivais nacionais e internacionais, em eventos cinematográficos em Los Angeles e Nova York (EUA), Tegucigalpa (Honduras), Cidade do México (México), Buenos Aires e Cordoba (Argentina), Tóquio (Japão), Praia (Cabo Verde), Acra (Gana), Maputo e Cabo Delgado (Moçambique), Berlim e Munique (Alemanha). Em março deste ano, ela foi eleita (em oitavo lugar) pela publicação norte-americana Bustle como uma das 36 realizadoras de todo o mundo que estão mudando os paradigmas em seus respetivos países. Estudou na Escola de TV e Cinema de Munique, na Alemanha, e fez especialização em argumento na Universidade de Córdoba, em Espanha. Desses estudos brotaram curtas como Sonar 2006 – Special Report (2006), Das Gesetz des Staerkeren (2007), Black Berlim (2009), Cinema Mudo (2012) e Personal Vivator (2014), além do documentário de media-metragem Rio Encantado (2014) e de uma série de videoclipes.


Rainha

Há um novo desafio em sua trajetória autoral: Sabrina foi uma das cinco diretoras contempladas pelo edital F.A.M.A 2018 – Fundo AVON para Mulheres no Audiovisual – e, com isso, finalizará seu primeiro projeto de longa metragem, o documentário de longa metragem sobre a história do funk carioca. O projeto chama se Cidade do Funk. Na entrevista a seguir, a diretora fala sobre as suas apostas estéticas.

Qual é a matéria humana e a inquietação ética que movem os teus filmes? Que cinema você está criando?

A matéria humana dos meus filmes é, basicamente, o povo brasileiro. Quando falo “o povo brasileiro”, isso significa um desejo de trabalhar todas matizes da nossa miscigenação, dando mais ênfase a tipos étnicos ignorados ou estereotipados ao longo da história da nossa cinematografia e do nosso audiovisual. O Brasil, por ser um país cujo racismo sempre operou por vias subjetivas e estruturais, sempre negou as suas raízes em detrimento de um protagonismo eurocêntrico nas telas. Vemos, tanto nas novelas quanto no cinema, uma tentativa de forjar um embranquecimento da população, o que tem muito a ver com a nossa história, com as segregações naturalizadas nas dinâmicas sociais e, sobretudo, com a maneira mal- resolvida como lidamos com os processos pós-coloniais. Mas, para mim, essa escolha tem mais a ver com uma questão estética. O que me interessa é filmar essas cores e suas nuances, pensar formas para essas cores. O que me interessa é ver gente preta e seus mil degrades nos meus filmes. Interessa escrever personagens potentes para essas pessoas.

Qual é o lugar que a imagem do povo negro, como representação social, ocupa nas telas do Brasil? Algo mudou no lugar histórico do negro no cinema nacional?

O povo negro, enquanto representação social, ocupa a base da pirâmide nas telas, tal qual na sociedade brasileira. E o cinema brasileiro sempre reproduziu isso, sempre foi dominado por olhares elitistas, brancos, masculinos e heteronormativos. São pessoas ricas que nunca conviveram com pessoas negras e/ou indígenas a não ser no que tange relações verticais de subalternidade. Logo, a tela brasileira reproduz essas vivências e vemos filmes onde negros são sempre, em sua maioria, personagens estigmatizados, marginalizados, subservientes, isso quando o temos. A maioria dos filmes realizados no Brasil são fomentados através de leis de incentivo governamentais e com dinheiro público. Dinheiro esse advindo, em grande parte, de impostos pagos pela população. E 54% da população se declara negra. E essa população fomenta uma produção audiovisual na qual quase nunca esta representada. É preciso parar isso. Essa discussão está cada vez mais ganhando espaços e temos conseguido pequenas conquistas num curto espaço de tempo, como cotas em editais para realizadores negros(as), mulheres e pessoas trans, por exemplo. Mas ainda há muito o que ser feito, estamos no início de uma grande mudança paradigmática.


Personal Vivator (2014)

Quem são as personagens reais que mais atraem a sua poética?

Gosto de personagens do cotidiano e também do universo lúdico. No real eu observo tudo e todos. Gosto, sobretudo, de observar pessoas fora da minha bolha. Outro dia, por exemplo, fiquei observando essas pessoas que desempenham funções que não deveriam existir e que praticamente só existem no Brasil, como, por exemplo, ascensoristas de elevadores. Como é a vida dessas pessoas? Como elas lidam com esse tipo de trabalho, passando oito horas ou mais dentro de um elevador claustrofóbico, apertando botões dos andares para os outros? Também faço as mesmas perguntas a depiladoras, por exemplo. Mas gosto muito de observar as pessoas que me cercam e de pensar em personagens imaginários. Em Rainha, a protagonista é uma moça simples que vive com sua mãe. Os seus amigos e as pessoas que a circundam são igualmente pessoas simples e comuns. Mas ao mesmo tempo, temos um gangue de meninas malvadas que parecem ter vindo do além e, dessa forma, trazemos a representação do irreal e da quimera para a narrativa. Em Personal Vivator, o protagonista é um extraterrestre negro que se passa por terráqueo no Rio de Janeiro e interage com uma pesquisadora académica e a emprega dessa. Em Black Berlin, o protagonista é um estudante baiano em Berlim que interage com uma imigrante do Senegal.