Quinta-feira, 28 Março

John Woo: «Posso até coreografar a violência, mas não sou encantado com ela»

Enquanto Brian De Palma pena para ver a sua nova longa-metragem, Domino, sair do papel, (após ter recebido um calote dos seus investidores nórdicos), um outro mestre da violência, o chinês John Woo (que goza de maior prestígio na Europa), caça por financiamento para a refilmagem de The Killer. Talvez pese em seu favor o facto de estar a completar 50 anos de cinema, ainda cheio de energia.

Quase três décadas após sua adoção por Hollywood, onde realizou cultos como Face / Off (A Outra Face, 1997), Woo volta agora à seara das produções em língua inglesa para dirigir Lupita Nyong’o. Laureada com o Oscar de secundária por 12 Years a Slave (12 Anos Escravo, 2013), a atriz de ascendência queniana vai protagonizar o novo projeto do cineasta, um remake de um de seus maiores sucessos, The Killer, cujo original contava com o protagonismo de Chow Yun-Fat. O enredo remetia-nos a um assassino contratado que precisa aceitar um contrato de risco a fim de obter o dinheiro necessário para financiar o tratamento de uma jovem cantora cega, cuja a sua deficiência visual é decorrente de um erro sua durante uma missão.

Na nova versão, Lupita terá o papel central, protagonizando sequências de tiroteio em câmara lenta que marcam a estética de Woo e dão um status autoral à sua carreira, iniciada há 50 anos. Os seus filmes são festejados até quando fracassam, como Manhunt (2017), de momento a sua última longa-metragem (muito elogiado pela crítica), protagonizado por atores japoneses e pela filha do realizador, Angeles Woo. Contudo, vale a pena salientar que o cineasta já viveu dias de sucesso na Ásia, com produções como Hard Boiled, novamente sob o protagonismo de Chow Yun-Fat.

Hard Boiled (1992)

Hoje septuagenário, este mito oriental da realização conversa com o C7nema sobre o passado e o futuro da representação da brutalidade. O papo foi mediado pela organização da mostra Cidade em Chamas – O Cinema de Hong Kong, que ocorreu no Centro Cultural Banco do Brasil.

Ainda existe vida e inteligência depois de Hollywood?

Fui muito bem tratado lá. Face/ Off saiu com qualidade em decorrência do bom tratamento que tive por lá. Na minha vida, o cinema sempre me salva. Ele apresentou-me o sonho. O cinema, o teatro e a Igreja abriram-me um universo lúdico. Eu era menino na China, vindo de uma realidade pobre, onde a arte era a única saída possível para se vislumbrar algum canal de transcendência. Aprendi a filmar a partir das coreografias dos musicais que vi enquanto criança. Incluindo ainda as coreografias das lutas de espada dos filmes de espadachim de Hong Kong dos anos 1960. Esse encanto levou-me a querer trabalhar em diferentes culturas, a viajar pelo mundo em busca de sistemas distintos de trabalho e de representação. Por isso, quero filmar este novo The Killer em França.

The Killer (1989)

Qual é o propósito estético de se voltar a The Killer quase três décadas depois do seu lançamento? Faz algum sentido refilmar um filme tão bem sucedido?

Agora é um outro filme. Um outro olhar sobre uma mesma dinâmica. Um novo fruto para um mesmo dispositivo. Neste novo projeto há uma heroína. Muda tudo. E vou filmar em solo europeu. Terei uma mulher no papel principal, podendo explorar a Europa, numa releitura do mais perfeito de todos os meus filmes. Perfeito pelo tema, pela técnica e pelo romantismo do seu olhar do mundo. Filmar uma longa-metragem de ação daquele jeito foi um experimento à sua época. Nada foi premeditado. Descobrimos tudo em campo, no corpo a corpo com o risco. E foi um experimento muito solitário, porque os atores e a equipa não faziam a menor ideia do filme que estávamos a tentar criar. Improvisávamos muito, pois não utilizei o guião no set. Escrevia as cenas de ação na hora. Escrevia e filmava. É uma energia de descoberta.

De onde vem o senso de Bem e de Mal no seu cinema?

Não sei se essas forças são tão diferentes assim. Não na minha lógica de mundo, que é inspirada pela releitura chinesa do ideal dos romances de cavalaria. Também fui bastante influenciado na estética dos grandes realizadores de Hong Kong do passado, Tom Hardy seria um herói ideal para os meus filmes e Ryan Gosling o meu vilão. Gosto de inverter certezas. Foi o que aconteceu com as personas de Cage e de Travolta em Face / Off. Posso até coreografar a violência, mas não sou encantado com ela. Há que ser ter distanciamento.

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