Sexta-feira, 19 Abril

QueerLisboa: o manifesto radical de “Bixa Travesty”

Bixa Travesty é o filme de encerramento do QueerLisboa, com sessão no próximo sábado (22/09). Obra vencedor de um Teddy Award no Festival de Berlim, foca-se na cantora e performer Linn da Quebrada, que colaborou na construção do filme, um travesti de São Paulo caracterizada por suas letras e performances provocadoras.

Nesta entrevista concedida ao C7nema pelos realizadores Kiko Goifman e Cláuda Priscilla, eles falam desta espécie de “filme-manifesto”, surgido num momento em que o mundo em geral, o Brasil em particular, enfrentam uma forte onde reacionária e discriminatória das diferenças.

Bixa Travesty, como o próprio título sugere, é um filme-manifesto, baseado num protagonista que tem uma defesa incisiva da homossexualidade em geral e da figura do travesti em particular. Foi o que vos atraiu na figura de Linn da Quebrada?

O nome do filme veio da própria Linn da Quebrada. Bixa Travesty é uma das formas que ela se define. Tivemos alguns encontros com a Linn que foram estreitando laços e despertando cada vez mais nosso olhar para a sua arte.

O primeiro encontro aconteceu em 2015. Na época Linn fazia parte de um coletivo de arte que se apropriava das ruas para discutir gênero através de performances ousadas e provocativas. A partir daí começamos a acompanhar sua vida através das redes sociais e encontros ocasionais.

A decisão de fazer um filme veio quando nos deparamos com ela num concerto no centro de São Paulo. Percebemos que estávamos diante de uma artista contemporânea, que trata de assuntos atuais de uma forma original, que usa o próprio corpo como arte. Pode-se sim falar em um filme-manifesto, pautado na ideia de liberdade de comportamento e do corpo. Tudo isso somado nos atraiu na figura da personagem.

Kiko Goifman e Cláuda Priscilla

No Brasil, mas não só, como o caso da eleição de Donald Trump indica, vive-se uma radicalização do debate. Acha que a postura de Linn da Quebrada pode ser uma espécie de “posto avançado” na luta mais radical pelos direitos LGBT? Acham necessária essa tomada de força por uma minoria tão atacada?

Existe uma onda conversadora, moralista, não somente no Brasil. São evidentes alguns desejos de retrocessos de conquistas de direitos. Difícil definir ou delimitar a militância da Linn, porque “ela é corpo”, um corpo que confronta padrões conservadores da sociedade. Sua forma de atuação política é peculiar, ela usa o humor ácido como ferramenta principal.

Falar desse tema hoje é urgente, estamos diante da luta por direitos de pessoas que sofrem violências simbólicas e físicas diariamente, essas mesmas pessoas que a sociedade não quer ver nos espaços públicos.

O Brasil é o país que mais mata travestis e trans no mundo. A expectativa de vida dessas pessoas é de 35 anos, menos da metade da média nacional, que é de 75 anos. Depois desses dados fica difícil entender que o Brasil lidera o “ranking” de procura por pessoas trans no Redtube. Comportamentos paradoxais de atração e ódio.

Outro dado estarrecedor é que 90% das pessoas trans recorrem à prostituição ao menos em algum momento da vida. Isso demonstra que a inclusão delas no mercado de trabalho ainda é um desafio para as empresas brasileiras. Acreditamos, sim, na importância da luta e se pudermos colaborar, ainda que de forma modesta, tentaremos.

O discurso dela também é de aceitação, que é uma questão complexa quando se trata de reconhecer uma identidade que não se conjuga com o corpo físico. Como vocês vêm essa questão?

A Linn e outras ativistas trans colocam em dúvida o que até aqui foi encarado como natural. Escancaram a fragilidade dos nossos corpos tidos como “normais”. A partir do momento que nos deparamos com esses corpos desobedientes, podemos ver o mundo além das caixas binárias que nos foram impostas. Esses corpos apontam uma falha no entendimento sobre gêneros, denunciam padrões de pensamentos que foram impostos historicamente.

A partir do momento em que entendemos que o gênero foi construído culturalmente, entendemos que outras narrativas forma silenciadas para a manutenção do patriarcado e da heteronormatividade. Linn se mostra em um corpo “novo”, que traz elementos que muitas vezes foram abandonados por mulheres trans como, por exemplo, os pelos. Essa junção torna ainda mais instigante a discussão proposta por ela.

Linn da Quebrada

Ela também reforça a questão sexual propriamente dita, onde as performances são também incisivas nesta área. Concordam?

Suas performances são provocadoras. Ela brinca com significados e sensações que atravessam a sexualidade. Esta é, no nosso entender, algo extremamente positivo. Assim como o humor, a ironia, pode ser um instrumento de luta. Mas a sexualização proposta por Linn desafia o padrão da sexualidade concebida por “machos” e para “machos”, ela envolve afeto e, exatamente por isso, desafia o que usualmente é visto como a sexualidade de uma travesti.

O filme já tem data de estreia no Brasil? Como acham que vai ser a receção?

O primeiro festival que o filme passará no Brasil acontece agora, em setembro. É o mais tradicional Festival de filmes brasileiro, em sua 51a. edição. Estamos muito ansiosos. Acreditamos que dentro de situações de festivais a receção seja positiva, como vem sendo em outros países. Bixa Travesty deve entrar nos cinemas no ano que vem. Aí não sabemos como será, na medida em que o próprio título do filme é provocador. Tudo pode acontecer.

Essa é a vossa segunda vez no Festival de Berlim com uma longa-metragem. Ao que vocês atribuem essa espécie de “relação estreita” com a Berlinale? O filme também recebeu o Teddy Award…

Na verdade já estivemos mais vezes no Festival de Berlim. Em 2006 com o curta Sexo e Claustro, sobre uma ex-freira lésbica mexicana, dirigido pela Cláudia e com o longa Atos dos Homens, sobre um massacre feito por policiais, dirigido por Kiko. Achamos o festival maravilhoso, por sua forte dimensão política e o respeito pela diversidade. Receber o Teddy Award talvez seja o prêmio mais importante de nossa carreira. Temos muito orgulho disso.

Têm novos projetos?

Todos ainda bem no início. Nosso desejo agora é fazer com as próprias personagens do filme, Linn da Quebrada e Jup do Bairro, um programa televisivo. Dentro do cinema também temos sempre muitas ideias e projetos.

Notícias