Terça-feira, 19 Março

Kornél Mundruczó: «A Hungria tem uma relação bastante retrógrada com a situação dos refugiados.»

Aryan Dashni (Zsombor Jéger) poderia ser um dos muitos sírios que arrisca atravessar a fronteira diariamente com objetivo atingir a sua “lua”, a Europa. Porém, ele não é somente um “sírio”, mas sim detentor de um especial dom – o de levitar.

Kornél Mundruczó, cineasta e dramaturgo húngaro, tem querido nos seus últimos trabalhos, quer no cinema, quer no teatro, transformar a atualidade em “contos de fadas” modernos e esta prolongada metáfora político-social é um dos exemplos do seu método cirúrgico de fabulizar.

O C7nema teve o privilegio de falar com o autor sobre o seu mais recente filme, Jupiter’s Moon (A Lua de Júpiter), que competiu pela Palma de Ouro em Cannes (2016), sobre a condição de ser Europeu e ainda sobre o teatro e o seu futuro empenho.

O tema deste A Lua de Júpiter toca-nos muito mais sendo nós europeu. Porém, tendo em conta a atípica abordagem desta temática, a sua visão leva-nos a crer que os Europeus são uns hipócritas conformistas?

Nós somos. Embora mais importante do que ser hipócrita é a desumanização da nossa sociedade como um efeito causado, não apenas, mas também por essa mesma hipocrisia.

Tal como o seu anterior filme [Deus Branco], a A Lua de Júpiter possui um elemento fantástico que, por sua vez, é inserido através de uma prioritária credibilidade. É importante acima de tudo criar este conceito de “credibilidade” no espectador?

O filme toca com a fé do espectador. Acreditas no que vês ou não? Tens um tipo de super-herói que provoca a sua fé num mundo renegado. E quando digo renegado, não penso apenas em termos de religião, mas em algo mais geral, por exemplo, acreditando em si mesmo ou para se posicionar num assunto em que se acredita. Isso é algo que infelizmente perdemos. Perdemos os nossos problemas comuns para representar. É disso que o meu filme deseja falar.

Fiquei deslumbrado com as sequências de levitação. Recordo-me de uma determinada cena onde o poder da personagem de Aryan Dashni é evocado no interior de um apartamento, manifestando-se todo o espaço em prol deste. Como foi possível executar tal cena?

Precisávamos de muito trabalho e ainda mais criatividade para tornar a levitação credível, dando uma experiência real, uma jornada emocional para os espectadores. Para isso era necessária precisão técnica. As sequências de levitação são momentos transcendentes, que não são fáceis de criar num filme. Por outro lado, estamos a concretizar filmes exatamente para esses momentos, para tornar o invisível visível.

Acerca da sua peça ‘Imitation of Life’. O que levou à sua criação?

Em maio de 2005, em Budapeste, um menino cigano foi atacado com uma espada num autocarro. Houve um grande alvoroço nos médias e consequentemente manifestações contra o racismo. Do que se descobriu, o atacante era membro de um grupo de extrema direita e curiosamente também era cigano. Este caso foi uma das principais inspirações para a minha ‘Imitação da Vida’, que criei graças a minha companhia independente húngara, a Proton Theatre.


Imitation of Life

Qual a importância da sua experiência de teatro na sua carreira cinematográfica?

Para dizer a verdade, nenhuma. São dois géneros independentes e seria um erro querer fazer teatro como cinema ou cinema como teatro. Isso é algo que não funciona. O meu objetivo em ambos os géneros é simplesmente contar uma história, a minha história, já que ambos servem para isso mesmo, contar uma historia e eu vejo-me como um contador de histórias.

De volta ao pano de fundo de A Lua de Júpiter. Como vê a Hungria hoje? E a sua relação com a crise dos refugiados?

A Hungria tem uma relação bastante retrógrada com a situação dos refugiados. É usado para aterrorizar as pessoas, mesmo sendo uma reunião de culturas. Construir uma ponte entre culturas exige muito trabalho, por outro lado, é fácil. Hoje em dia nós destruímos-mos tão facilmente, como se não soubéssemos quanto de energia e tempo custa para construir. E isso não é só em relação à crise dos refugiados, é também no sentido generalizado, por exemplo, em relação à cultura.

Como cineasta, qual é o seu papel em termos políticos? O cinema pode ser político?

Como cineasta, mas também como dramaturgo, acredito que não tenho nenhum papel em termos políticos. Na minha opinião, o cinema não deveria ser político, pois simplesmente não é essa a sua missão.

Quanto a novos projetos?

O próximo projeto com a Proton Theatre é uma instalação para o oratório The Raft of the Medusa, de Hans Werner Henze. Tem estreia na Ruhrtriennale 2018. O trabalho de Henze foi inspirado na mundialmente famosa pintura de Théodore Gericault, de 1819. A peça sobre a catástrofe da fragata Medusa, encalhada num banco de areia, será criada como uma estrutura de colaboração com a Bochumer Symphoniker, a ChorWerk Ruhr e a Zürcher Sing-Akademie, conduzida por Steven Sloane.

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