Sexta-feira, 19 Abril

Festa do Cinema Italiano – entrevista: ricos x pobres na «Guerra dei Cafoni»

A Festa do Cinema Italiano encerrou em Lisboa, mas continua pelo país afora ao longo de abril e maio. O C7nema aproveita para destacar mais uma entrevista feita no âmbito do festival, onde os refletores vão para os realizadores de um dos filmes da Competição, La Guerra dei Cafoni.

A iniciar com uma cena simbólica falada em grego bizantino (!) para significar a opressão através dos tempos, os realizadores  Davide Berletti e Lorenzo Conte, aventuram-se por uma fábula de origem literária. Na história, todos os verões um grupo de meninos bem-vestidos e senhores do castelo digladiam-se com a escumalha inculta e miserável – os cafoni do título. A opressão é óbvia – até que um elemento desestabilizador surge a meio do enredo para complicar as contas.

Conforme explicaram ao C7nema, Davide Berletti e Lorenzo Conte, o projeto nasceu de um feliz encontro com o livro homónimo do escritor italiano Carlo D’Amici. “Depois de um filme anterior dedicado à máfia de Apulia (sul da Itália), considerada a quarta máfia italiana, estávamos á procura de uma história diferente, menos sombria, mais solar, ancestral e que, de certa maneira, nos pudesse fazer sentir outra vez crianças”, dizem.

A obra de D’Amici  remete, em primeiro lugar, a um retorna às origens. “O livro direciona o leitor àqueles verões intermináveis da infância, àquelas atmosferas mágicas e rarefeitas – àquele tempo suspenso quando a escola acaba a escola mas os pais continuam a trabalhar e ficamos abandonados a nós mesmos. O livro representa uma profunda análise sobre crescimento e descoberta. Ficamos fascinados com a ideia de prosseguir meninos. Depois tudo muda”.

O retrato universal da aldeia

Se a frase de Tolstoy  virou cliché (“se queres ser universal começa por pintar a tua aldeia”), os cineastas a levaram ao pé da letra. La Guerra dei Cafoni aposta numa perspetiva universal sobre a opressão, mas o faz com um acento muito local – na verdade com sete dialetos!

Tentamos de facto juntar especificidades muito locais com temas universais. É aquilo que estamos sempre a fazer dentro do nosso cinema, mesma que ele seja todo passado na nossa região, a Apulia. No caso dos dialetos, eles revelaram uma riqueza e uma simplicidade linguística impressionantes – ao mesmo tempo que a análise das estruturas de poder aplica-se a qualquer sociedade do mundo”.

A cena inicial mostra um assassinato brutal a um menino que tentava roubar água no poço do “Senhor”. “A cena do prólogo foi feita com diálogos em grego bizantino, já desaparecido. Era falado nos lugares originais da nossa História, utilizamo-lo como um ato fundador da luta de classes, senhores contra pobres. Essa guerra, mesmo com mudanças, sempre existiu e sempre existirá”.

A guerra do “ter” substituí a luta do “ser”

Uma dos aspetos fundamentais desta alteração é dada pela entrada em cena de Cuggino (“primo” em italiano), vivido por Angelo Pignatelli. Ele passa a ser automaticamente o líder dos cafoni – ambicioso, destemido e ligeiramente mais culto. Mas nada de idealismo revolucionário: o “primo” assemelha-se mais ao líder de um gangue.

Cuggino é magistralmente interpretado por Pignatelli e é um dos personagens chave da história, o elemento não harmónico, aquele que radicaliza, que desafia. Ele é idealista, mas só no sentido que tem um plano bem preciso, bem claro, de conquistar o poder, de sair do papel do pobre e do explorado. Ao contrário dos seus primos, ele é um mecânico, trabalha em oficinas e começa a ter dinheiro para alcançar os seus objetivos – não desdenhando para isso da violência”.

Ele representa a nova sociedade do país a partir dos anos 70. “Outro aspeto fundamental do romance que nos interessou foi a visão histórica sobre os anos 70, que marcou o fim da luta de classes assim como foi entendida durante todo o século XX. Foi quando a guerra do ‘ser’ transformou-se na lua para ‘ter’. A dinâmica passa a ser o de ganhar os pertences dos donos – no caso do filme a mota, o ‘flipper’, e a rapariga, namorada do chefe da classe dominadora”.

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