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Uma entrevista com a curadoria de Roterdão: o “arthouse” vai bem e recomenda-se

Gerwin Tamsma

A “morte” do cinema, o equilíbrio entre a forma e o conteúdo, os novos rumos, a produção lusitana: o C7nema teve uma troca de ideias elucidativa com um dos programadores de um dos mais influentes festivais europeus, o de Roterdão, que decorre entre 24 de janeiro e 4 de fevereiro. Gerwin Tamsma é um dos curadores da secção Bright Future, focada essencialmente em novos realizadores.

Com o incrível número de mais de 300 mil expectadores no ano passado (três vezes mais que TODOS os certames portugueses juntos), parece que não é mera retórica do programador dizer que há um público de facto preparado para as propostas difíceis de um festival fortemente vocacionado para o cinema de autor.

Tamsma ainda brincou as recorrentes ideias da morte do cinema (particularmente o de “arte”) e as queixas de repetitividade. “Mesmo que seja difícil ser melhor que Orson Welles ou Antonioni, tem que se continuar a tentar, essa é a nossa vida! Claro que não é fácil encontra-los…

O Festival de Roterdão é marcado por uma programação que apresenta obras com propostas diversas às narrativas tradicionais. Isso pressupõe que exista um público capaz de assimilar estas diferentes proposições…

Devido à maravilhosa e longa tradição do Festival de Roterdão, nós agora temos uma audiência que se dispõe a cada ano para abrir a mente e fazer a aposta – para ver o que temos sem rejeitar aquilo que não conseguem imediatamente reconhecer. Neste sentido, há uma audiência que abraça o novo tenta compreender o que os cineastas estão a tentar fazer. Claro que existe um público que prefere aquilo que conhece, mas por todo lado é possível encontrar pessoas à procura de algo diferente – mesmo que exija constantes esforços da sua parte. Também a educação é importante para buscar novos espectadores.

The Widowed Witch

Em termos de critérios para a seleção, por exemplo, como você equilibra a questão da forma com o conteúdo? É errado dizer que na secção Bright Future há uma grande preocupação com a forma?

Eu não faço necessariamente a distinção entre forma e conteúdo. Dito isso, eu penso que o programa da seção Bright Future apresenta uma gama variada de inovações e novas formas de se fazer filmes. Alguns realizadores estão, de facto, muito preocupados com a forma, mas também temos outras narrativas relativamente mais tradicionais. O festival também inclui a secção Voices, mais focado no conteúdo dos filmes. 

Existe uma certa tendência no meio cinematográfico hoje em dia em achar que o cinema está um tanto repetitivo. A trabalhar com jovens realizadores, é fácil encontrar projetos que contrariam essa noção?

Se você olhar para a seleção final você verá que o cinema continua em desenvolvimento e encontrando novas formas de expressão – mesmo que às vezes isso seja expresso apenas numa cena ou num gesto. O cinema continua se movendo por novos espaços e, claro, o mundo está em constante mudança e exigindo, frequentemente, novas leituras. Mesmo que seja difícil ser melhor que Orson Welles ou Antonioni, tem que se continuar a tentar, essa é a nossa vida! Claro que não é fácil encontra-los…

Outra tendência de pensamento vem anunciando há vários anos “a morte do cinema de arte”. No entanto, isso não acontece – todos os anos dezenas de projetos que podem ser qualificados como “arthouse” são produzidos…

Eu penso que essa ideia de “morte do cinema” vem de uma certa crença no que o cinema era – tal como tão elegantemente expressada por Susan Sontag. Dentro do contexto de alguns festivais, o cinema certamente não está morto. Para citar Frank Zappa, “pode ter um cheiro estranho, mas não está morto” (risos).

O Termómetro de Galileu

Quando alguém como Peter Greenaway menciona a morte do cinema, ele nunca quis dizer que os filmes deixarão de ser produzidos. É possível que os mais profundos, mais belos filmes ainda precisem ser feitos mas nós nunca mais viveremos um tempo onde o cinema tinha tanto poder, onde funcionava como uma janela para o mundo. Isso, simplesmente, porque há demasiada competição hoje em dia. Para mim, ‘dizer que o cinema está em toda a parte’ significa o mesmo que o ‘cinema está morto’.

O cinema português tem boa presença na seção e no festival, de modo geral.

Sim, estou contente com estes filmes, que demonstram que em Portugal, independente de circunstancias políticas e financeiras adversas, continue a produzir “arthouse” de qualidade. Portugal faz um dos melhores cinemas da Europa. Este ano teremos algumas produções da Terratreme, por exemplo. Mas para o ano poderão ser outras empresas…