Terça-feira, 19 Março

Carine Tardieu: «gosto da alternância entre a comédia e o drama»

De mal entendidos vive e bem a comédia francesa e o novo trabalho de Carine Tardieu, que chega aos cinemas portugueses, não é exceção. Mas no fundo, essas “trapalhadas” possuem algo mais do que somente jubilo. Só Para Ter a Certeza, estreado na Quinzena de Realizadores, é acima de tudo um filme sobre as origens, questionando a paternidade como um dado adquirido e a própria convencionalidade da estrutura familiar.

O C7nema conversou com Tardieu sobre este seu novo exercício de comédia, desde o toque trágico até a importância de uma “família do coração” àfrente às ligações de “sangue”. 

Como nasceu a ideia para Só Para Ter a Certeza?

Já no meu filme anterior, o Dentes de Leão, eu abordava muito a questão da relação entre mãe e filhos. Agora queria passar ao pai. Um dia um amigo meu contou-me uma história pessoal que me inspirou. Ele agora tem 60 anos, mas quando tinha 50 descobriu que o seu pai não era o pai biológico, e foi nessa busca pelo pai biológico que o encontrou. Aí pensou sobre a ligação com o pai biológico e o pai que o criou, até à constatação final que não vou falar na entrevista – para as pessoas verem o filme. Foi uma história que me tocou muito e que me apropriei para falar dos pais em geral.

Neste filme a paternidade é uma questão essencial. É importante para sim a questão da origem, da paternidade de um indivíduo?

Penso que toda a gente, em determinado ponto da vida, coloca a questão. De onde venho e quais são as minhas origens? Mas aquilo que me interessa são todas as origens possíveis. As biológicas, as sociais, culturais, aquilo que faz de nós o que somos. E, claro, aquilo que os nossos pais nos transmitem. O centro do filme é quem afinal são os nossos pais biológicos. Será que eles são mais importantes? Será que estão acima dos pais que nos criam? Eu tenho a resposta a essa questão, sem qualquer dúvida. Foi isso que tentei mostrar no filme. Que os laços sentimentais, do coração, são mais importantes que os sanguíneos. Em modo geral, aquilo que me interessa na vida é de onde vimos.

Existe um pouco de tragédia no tema do filme, mas transforma o assunto em comédia. A tragédia é a nova comédia, e a comédia a nova tragédia?

Eu descubro um Universo cada vez que faço um novo filme, embora seja atraída pela comédia. Para mim é uma maneira de passar uma série de coisas, o pathos, o melodrama. Talvez seja uma forma de pudor, ou de gosto, fazer essa alternância entre a comédia e o drama. Tenho a impressão que conseguimos transmitir mais coisas através da comédia, através da leveza com que se tratam os assuntos.

Vi muitas comédias quando era mais nova, comédias ternas. Acho que as comédias não impedem a sinceridade e a retidão da impressão que as personagens têm umas das outras. Não quero tirar de mim o tom mais sombrio das coisas, da mesma maneira que não quero tirar o humor. É essa alternância que me agrada. Se a comédia é o novo drama, ou o drama a nova comédia, não sei. Veja-se a comédia em Shakespeare, em que ele conta situações muito trágicas…

E como escolheu os atores?

Não penso em atores quando escrevo. Isto porque se um ator que pensei durante a escrita me diz não, fico desiludida. Se ele me diz sim, corro também o risco de me desiludir porque ele pode não conseguir dar mais à personagem do que aquilo que imaginei. Por isso, trabalho com o meu co-argumentista, temos muitas referências e muitas vezes pensamos em atores que já estão mortos, de forma a não estar tentada a propor-lhes os trabalhos (risos).

Quando o guião está terminado, eu reflito com o meu produtor. Claro que precisamos de ter nomes célebres do cinema francês para conseguir o financiamento. Por isso temos uma lista de nomes para os papéis principais, atores e atrizes, que possam atrair dinheiro e espectadores às salas. E nessa lista estavam, para os dois papéis principais, François Damiens e a Cécile de France.

Para mim era óbvio o François, pela postura. Ele interpreta um especialista em desarmar engenhos explosivos, um antigo militar, mas ao mesmo tempo sabemos que ele tem uma fragilidade enorme em si. Era alguém de aparência forte, mas no fundo tem enormes fraquezas. Ao seu lado eu queria uma mulher que tivesse alguma virilidade (….) na verdade eles são um duo com uma aparência bem sólida e forte que têm grandes fragilidades….


Fala de temas sensíveis numa sociedade cada vez mais dominada pelo politicamente correto. Como lida com isso?

Não é politicamente correto, pelo menos em França, em Portugal não sei. Uma mulher ter um filho sozinha, sem a cólera das pessoas à sua volta, é comum hoje em dia. (…) Nos anos 60 não. Mas hoje em dia isso já não é um tabu em França. Dormir com a irmã, sim! É um tabu (risos).

Como foi a experiência do seu filme estar na Quinzena dos Realizadores?

Foi genial. Não imaginávamos que o filme podia estar lá, porque é uma comédia e não há muitas comédias em Cannes. Na verdade fiz uma projeção privada em Paris, quando terminamos de filmar. E foi um dos atores que me disse que o filme era ótimo e perguntou porque não o apresentava no Festival de Cannes. O filme estreava em setembro, por isso não custava nada tentar. Enviamos um DVD e uma semana depois tinha uma mensagem do director da Quinzena dos Realizadores a dizer o filme tinha sido selecionado e que estava entusiasmado com a presença do filme lá. Foi uma surpresa muito boa e a projeção lá foi muito comovente, com as pessoas a aplaudirem de pé. Ainda por cima o homem que me inspirou a fazer esta história estava na sala. Fui lá com a minha equipa como se fossemos crianças a quem deram grandes prendas no Natal. (risos)

Tem novos projetos?

Não. Ainda é cedo para falar disso. Eu preciso de muito tempo. Agoro quero viver histórias pessoais e deixar a vida profissional para depois. Existem grandes hipóteses de ser um projeto em torno da família. Tenho uma grande necessidade de contar histórias familiares. É isso que me interessa, mas não sei quando vou trabalhar nisso.

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