Terça-feira, 19 Março

Teresa Villaverde: “a marca do nosso cinema é a seriedade artística”

Teresa Villaverde não precisa de colo. Esta por mérito próprio na seleção competitiva com um filme dorido sobre o nosso limbo e a falta de perspetivas. Uma conversa ainda no calor da estreia mundial de Colo, onde se fala, naturalmente, do Urso, mas também do punhado de jovens realizadores portugueses também aqui presentes em Berlim e dos jovens do seu filme. Falamos também de filmar nos Olivais, de Nicholas Ray e até de Os Verdes Anos, o célebre filme de Paulo Rocha. Veio tudo a propósito de Colo. 

Uma vez mais o cinema português marca posição e está na secção competitiva aqui em Berlim. Como encaraste esta possibilidade de estar aqui a concorrer para o Urso de Ouro?

É uma grande honra, claro. E uma grande alegria. Quando vamos a uma coisa desta dimensão já é muito bom, aconteça o que acontecer. É uma vitória imensa estar em Berlim. É bom para o filme e até para o próximo. E também para o cinema português.

E numa altura em que os cineastas mais jovens também estão muito bem representados.

Fico muito, muito feliz ao ver tanta gente nova e com tanta qualidade.  Acho que e extraordinário.

Gostei do teu Colo. Mas este título leva-nos sempre a alguma reflexão. Foi um nome que surgiu de início?

Sim. Foi o primeiro nome e ficou. Como decidimos não o traduzir ao falar com vários jornalistas em Berlim muito me têm feito essa pergunta. Por isso vejo-me obrigada a explicar melhor o conceito da palavra.

Precisamos todos do colinho de Teresa Villaverde. Isto porque toda esta gente que vemos no filme está a precisar de um colinho, de um pouco de afeto. Concorda?

É verdade, no fundo estamos todos de certa forma a precisar de um pouco de colo. Mas acho também que essa ideia pode ser um pouco perigosa. Porque se aceitamos o colo e não nos mexermos isto pode acabar pior. Claro que há isso e outra coisa que acho cada vez mais. Essa palavra evoca também um início.

Sim, a mãe, a gravidez…

Um pouco como se estivéssemos agora a viver numa espécie de limbo. Um limbo quase incompreensível em que temos a necessidade de voltar ao início. Isto porque já não sabemos onde é o início.

Será que já não conseguimos voltar a casa, como dizia o Nicholas Ray?

Pois, exatamente. É isso. É voltar a casa, mas qual casa e qual início? Infelizmente, os problemas em todas as sociedades e no mundo vão-se acumulando em varias camadas que apetece fazer tábua rasa. Mas isso não é possível. Neste momento ninguém sabe dizer o que é possível. Portanto atenção ao colo, porque se formos todos para o colo uns dos outros não fazemos nada. Por outro lado, temporariamente um colo dá sempre força. Para depois seguir para a frente.

Se calhar, essa ideia de repensar podemos reenquadrá-la no estado do nosso cinema. Será que também precisamos de colo? Já que estamos sempre em recomeço…

Acho que o nosso cinema e inacreditável porque temos tantas dificuldades, mas simultaneamente o cinema português está com uma vitalidade gigantesca. E com imensos realizadores jovens. Quando comecei tinha apenas 23 anos e os outros eram todos muito mais velhos. Agora não é nada assim. Há imensos realizadores novíssimos e com uma visão muito particular e segura do que estão a fazer. Por isso quando falamos nas dificuldades do cinema também ouvimos dizer, como sucede aqui, quando dizem que somos dos países mais bem representados.

Sinto-me muito orgulhosa desta marca do cinema português, apesar de sermos todos muito diferentes. Diria até que a marca do nosso cinema é a seriedade artística. Também herdámos isso dos nossos grandes. Desde logo do Manoel de Oliveira, que não abdicava de nada do ponto de vista artístico. Acho que é uma raiz histórica que temos e que continua a fazer sentido. Devia ser motivo de orgulho para todos. É pena que esta ideia de vitalidade não seja tão partilhada em Portugal. Talvez esta nova geração de realizadores faça essa ponte com o público português.

Falavas na juventude, mas no teu cinema a juventude tem estado sempre presente, embora com preocupações diferentes. Em Colo temos as duas raparigas mais jovens (Alice Albergaria Borges e Clara Jost, também presente em Berlim, com a curta Coup de Grâce, de Salomé Lamas) e a geração dos pais. São ambas relevantes.

Neste filme sinto que a personagem central é o pai. É o drama do pai que se vai espalhando para as outras personagens. Depois há o mundo paralelo dos jovens um pouco à parte. Para mim, era muito importante ter esta geração, pois é uma geração de muitas que vieram antes. Porque parece ter à sua frente um muro. Acho que nunca houve essa sensação de não haver um caminho trilhado. Estão num lugar, mas não sabem para onde vão. Só que também não podem ficar parados. Tenho esperança que nos ensinem alguma coisa.

Gosto muito dos planos rodados nos Olivais, o bairro onde moro, e também da parte ribeirinha, mas isso já é em outro local, certo?

Sim, filmamos muito nos Olivais, mas também de um lado e do outro do rio.

E gosto ainda da forma como se pode mostrar uma Lisboa urbana e ao mesmo tempo quase rural. E aqui recordo aquele plano sobre os prédios da Av. de Roma, que me fez lembrar o inicio de Os Verdes Anos, do Paulo Rocha. Não sei se foi intencional…

Fico contente que evoques Os Verdes Anos, mas por acaso não tinha pensado nisso. Fui acidentalmente aquele parque onde se vê esse lado da cidade. Sobretudo porque via onde cresci, ali para os lados da Praça de Londres. E fiquei muito surpreendida pois nunca tinha visto a cidade daquele ângulo, daquele parque que é ali ao pé da Rotunda do Relógio.

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