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Victória Guerra: «Prefiro Cinema a Televisão»

Victória Guerra, a célebre atriz portuguesa conhecida pelos seus papéis no cinema (Cosmos, As Linhas de Wellington, Amor Impossível), mas também na televisão (Amor Maior, Sol de Inverno) esteve presente nesta edição da Berlinale a propósito da European Shooting Stars, uma iniciativa europeia que pretende divulgar jovens atores promissores de diversos países, a um nível internacional.

O C7nema, em colaboração com Rita Guerreiro da ShortCutz Berlin teve o privilégio de entrevistar a atriz junto ao Berlinale Palast no dia 13 de fevereiro, numa conversa que vai desta iniciativa até às diferenças entre trabalhar no cinema e na televisão.

Como é que está a ser a experiência no European Shooting Stars?

Está a ser muito divertida. É muito cansativo, temos um horário de doidos, mas o grupo é absolutamente fantástico. Está a ser muito bom.

Muitos meios de outros países têm vindo falar contigo?

Sim. Não tinha noção disto, mas há um grande foco sobre estes 10 Shooting Stars. São 37 países a enviarem uma candidatura e ser um dos 10 selecionados é ótimo. As pessoas querem mesmo conhecer-te. Ontem tivemos uma reunião de 3 horas com dezenas de diretores de casting e agentes do mundo inteiro. Sabiam quem éramos e queriam os nossos contactos.

E como é que foi essa reunião?

Aproveitei para fazer imensas perguntas. Faço imensas self tapes que é uma coisa muito comum hoje em dia. E perguntei qual era a melhor forma de filmar. E eles dizem “É assim! [delineia um quadrado com as mãos sobre o rosto], não queremos ver corpo inteiro.” Perguntei também como é que se deve fazer para trabalhar lá fora e como é que consigo arranjar um agente em Inglaterra. E eles faziam as questões deles porque cada diretor de casting tem a sua especialidade. Conheci dois franceses que viram que trabalhei com o Benoît Jacquot (em Até Nunca) e disseram-me “Não queremos saber que tenha sido uma cena, trabalhaste com um dos maiores realizadores franceses da atualidade.” Nem tinham percebido que eu não era francesa porque consegui fazer um bom sotaque. É ótimo porque em Portugal não temos acesso a diretores de casting. São eles que estão sempre à procura de caras novas para fazer filmes e às vezes vêm pessoas estrangeiras que tenham particularidades para certos papéis. Portanto, é mesmo muito bom.

Podemos falar de alguns projetos teus? Soube que estás a filmar a Aparição em Portugal.

Já terminei em dezembro. O que posso dizer é que é baseado no livro, que a minha personagem se chama Sofia e foi todo filmado em Évora. Do que vi, era absolutamente fantástico. Agora, é esperar.

Trabalhas tanto no cinema como na televisão. Qual é a tua opinião sobre a recente polémica do júri do ICA?

Eu estou aqui por causa do ICA. Foi ele que me escolheu e propôs-me estar aqui presente. Estou-lhes muito grata. Sobre esse assunto, não estou dentro o suficiente. Não posso tomar posições, mas não concordo a 100% com as decisões que estão a tomar.

Um português já não era selecionado para esta iniciativa, pelo menos, desde há 6 anos. Sentes alguma pressão?

Não. Fui muito bem-recebida e em Portugal senti um apoio enorme, as pessoas ficaram mesmo contentes por um português ter sido selecionado, após tantos anos. Ontem conheci o diretor do Festival e quando me apresentei, ele disse “Que bom, temos imensos filmes contigo cá, parabéns!“. Uma loucura.

Nós temos 4 curtas em competição este ano. O único país que tem mais representação é a Alemanha. Tu estreaste-te numa curta-metragem e gostava de saber o que aprendeste nela e que trouxeste para o cinema.

Muitas vezes olhamos para as curtas como algo menor. Não é. É uma oportunidade fantástica. Se tiver uma boa personagem e uma boa história, eu vou querer fazer. Como muitas vezes é concedido pouco dinheiro, as pessoas que lá estão vão dar tudo o que têm porque querem muito fazer aquilo. E depois é uma aprendizagem, podemos arriscar de outra maneira. Podes fazer muitas curtas e aprender muita coisa a trabalhar com tantas pessoas diferentes, porque é mais rápido que uma longa. Há aqui realizadores que já fizeram longas e que continuam a fazer curtas.

Como é que costumas escolher os papéis em que te envolves?

Procuro trabalhar com pessoas diferentes e aprender cada vez mais. No caso da televisão, que é o que tenho feito mais, procuro fazer personagens diferentes. Por exemplo, agora estou a fazer de esquizofrénica. Ok, é uma novela e ninguém gosta de fazer, eu sei. Mas eu gosto. E foi por isso que aceitei entrar nesta, por causa dessa personagem que tem uma doença assim, o que é algo que não posso ir buscar em mim, não posso pensar em nenhum dia e em como me sentia. Nunca vou fazer a menor ideia do que é ouvir vozes e ter a mania da perseguição. No caso desta personagem, foi por aí. No que toca ao cinema, tem também a ver com as personagens, mas também com os realizadores, a história e os atores. Porque aprende-se muito.

Qual dos realizadores gostaste mais de trabalhar até agora?

Andrzej Zulawski (em Cosmos). Era um génio, um mestre. Ainda hoje arrepio-me quando me lembro que trabalhei com ele. Foi uma grande experiência porque ele tinha uma forma muito manipuladora de trabalhar com os atores, sem ser mau. Para mim foi o processo mais interessante. Fora o elenco que, para além de serem dos melhores atores franceses, são das melhores pessoas com quem já trabalhei na minha vida. Aprendi muito. Conseguiu tirar coisas de mim que eu não tinha noção de que era capaz.

Victória Guerra em Cosmos

E quanto ao Variações de Casanova onde trabalhaste com o John Malkovich?

Foi só uma ou duas cenas, mas foi divertido. O John Malkovich dá-te tudo e é só ires atrás. Ele fazia do Casanova e a minha personagem era uma miúda que ia de passagem com a tia, ansiosa por saber se as histórias que contavam sobre ele eram reais. Um pouco como aquilo que pensamos, hoje em dia, das estrelas rock. Ele é um ator fantástico.

Qual é a principal diferença que notas entre o cinema e a televisão?

O tempo. No cinema o ritmo é muito mais lento e temos tempo para muitas mais coisas. E há uma preocupação muito diferente da que há na televisão. Nas novelas há cenas que é só para mostrar o quotidiano. No cinema fazes uma cena por dia, na tv isso é impensável, fazemos quase 30 minutos diariamente.

Qual dessas plataformas preferes?

Cinema. Porque gosto do tempo que temos para descobrir coisas. No entanto, a verdade é que gosto de representar, portanto, aprendo coisas também na televisão. Cheguei a fazer uma novela onde a Rita Blanco era a minha mãe, o João Perry o meu avô, a Maria João Luís a minha sogra, tudo mestres desta arte… Aprendi mais com eles naquele ano do que com muita gente. E era uma novela.

Estás mais determinada a trabalhar no estrangeiro ou em Portugal?

Tudo o que fiz, não tive de sair de Portugal. Todos os filmes que fiz, desde trabalhar com o Zulawski ao Jacquot, não tive que sair do país porque foram produções portuguesas. Cada vez mais realizadores estão a querer filmar em Portugal, seja por causa do clima, do dinheiro, dos custos de produção… É bom para nós! É por isso que ainda não tive de sair. Portanto, na verdade, eu quero é continuar a trabalhar. Disseram-me no outro dia que 80% dos atores que passam por cá, a seguir fazem muita coisa. E o fazer muitas self-tapes ajuda. Depois de eu ter trabalhado com o Malkovich, ele estava a ajudar um realizador a escolher o elenco jovem para um filme. E ele mandou-me um e-mail a pedir que fizesse uma para uma personagem que achou que se me adequava. E fiz. Fiquei e consegui um visto. Depois fui para os EUA e consegui um agente americano. Faço muitas self-tapes. Mesmo, mesmo muitas. E já andei a distribui-las pelos diretores de casting. Vamos ver o que o futuro traz.

Tens uma vasta legião de fãs. Tens algum conselho para os que querem ser atores como tu?
Tenham muita paciência. Absorvam tudo o que conseguirem, até mesmo as experiências más. Se gostarem daquilo que fazem, não desistam.

Estás nervosa por subir ao palco logo à noite?
Um bocadinho, mas o grupo é muito fixe e já estamos aqui há 3 dias e sabemos que nos vamos divertir imenso, apesar de estarem 0 graus lá fora (risos). Hoje vamos receber o prémio das mãos do Timothy Spall e isso sim, deixa-me nervosa.