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Jonathan Rosenbaum: «IMDB e Rotten Tomatoes estão a transformar o cinema num desporto»

Jonathan Rosenbaum, um dos maiores e mais importantes críticos de cinema da atualidade, está em Lisboa esta semana, a apresentar na Cinemateca Portuguesa uma retrospetiva dedicada ao cineasta alemão Erich von Stroheim.

O C7nema teve o privilégio de o entrevistar na mesma instituição, numa conversa que envolve não só o realizador, como também a importância de se ser um crítico de cinema, a falta de diversidade de filmes estrangeiros no EUA, um pouco de cinema português e, obviamente, os filmes prediletos de Rosenbaum.

Como descobriu e qual a sua opinião sobre o trabalho de von Stroheim?

Vi primeiro o Greed – Aves de Rapina (1924) em Nova Iorque quando andava na faculdade, juntamente com o Esposas Levianas (1922). Sobre o que me interessa nele, antes de ser crítico, escrevi muita ficção, contos e romances que nunca chegaram a ser publicados. E foram essas qualidades novelísticas que me apelaram nele.

Qual julga ser a importância de von Stroheim no cinema?

Ele percebe as pessoas melhor que outros realizadores. Há uma grande complexidade emocional e ainda uma enorme densidade humana nos filmes dele.

Em 2012, para a Sight & Sound, nomeou Greed – Aves de Rapina como o maior filme de sempre. Quer fundamentar o porquê desta sua decisão?

Não me lembro, já fiz essa sondagem imensas vezes em tempos diferentes. Mas uma coisa que já disse sobre o filme e que acho que faz parte do seu sucesso, é que as personagens não existem só dentro dos planos, mas também entre eles. Que vivem fora do filme e que até é possível conhecê-los, o que é muito invulgar.

Greed – Aves de Rapina (Erich von Stroheim, 1924)

Como crê que um filme deva ser apreciado? Muitas pessoas avaliam um filme pela história e pelo argumento, mas e quanto à mise-en-scène?

Não acho que devam existir regras. Acho que um filme deve ditar diferentes possibilidades para diferentes pessoas. Mas não creio que haja uma lista única que queira impor enquanto crítico. Um filme é algo muito complexo. Alguns mais complexos e interessantes que outros, é certo, mas recuso-me a dizer porque é que as pessoas devem ir ao cinema. Cada filme deve sugerir diferentes critérios se for bom. E é isso que é interessante na crítica de cinema, ter de se mudar os próprios critérios em relação ao que o filme faz, ao invés de se ter uns antes de vê-lo. Às vezes os melhores filmes são aqueles que te forçam a rever os teus critérios.

E que acha do sistema de parte da crítica em dizer apenas que um filme é “bom” (“thumbs up”) ou “mau” (“thumbs down”)?

Isso tem a ver com as políticas de mercado, não com a arte. É sobre dinheiro e consumo, nada mais que isso.

Qual a diferença que vê agora nos críticos de cinema norte-americanos relativamente a quando trabalhava no Chicago Reader?

Não tenho a sensação de um desenvolvimento ou mudança porque ainda só passaram 9 anos desde que deixei o Chicago Reader. A diferença principal é que conheço cada vez menos críticos a trabalharem profissionalmente, isto é, a serem pagos pelo que fazem nos jornais. Mas não acho que tenha de haver uma correlação entre as pessoas serem pagas ou não, tal como não acho que seja relevante terem ou deixarem de ter formações académicas. Às vezes as pessoas que mais sabem sobre filmes não são pagas nem têm formações. Quando se fala de alguém ser um profissional, não acho que isso seja genuíno, não aceito as regras que dizem. Acho que há menos pessoas a escrevem numa base regular para ter dinheiro, mas ainda assim há um grande interesse em escrever. E, de alguma maneira, há mais pessoas interessadas agora em escrever sobre cinema. E depois há a crítica em formato de ensaios audiovisuais que tem vindo cada vez mais a ser aperfeiçoada, como é o caso do Kevin B. Lee.

Erich von Stroheim

É bastante crítico do sistema de Hollywood e da falta de filmes estrangeiros nos EUA. Como se pode descobrir estes filmes e como explica esta falta de diversidade?

Eu descubro-os quando vou a festivais. Mas acho que este problema tem a ver com as pessoas que têm o controlo fílmico e não a audiência. A audiência só conhece aquilo que lhes está a ser oferecido. Quando dizem “a audiência detesta alguns géneros de filmes” parece-me idiota porque a maioria dela nem sequer ouviu falar deles. Não os estão a rejeitar. E, por outro lado, há géneros que se revelaram grandes sucessos comerciais como A Lista de Schindler (1993) ou o Danças com Lobos (1990). Nem a própria audiência sabe o quer! Mas sabemos o que os produtores e distribuidores gostam e é a isso que estamos presos, infelizmente. Mas a Internet tem vindo a mudar isso, temos muitos mais filmes disponíveis, tanto do passado como do presente, nacional ou estrangeiro.

Já que falamos na Internet, hoje em dia a maioria dos filmes são vistos nela. Acha que usá-la como sistema de distribuição é útil, nem que seja para ver os filmes estrangeiros que referiu, ou que se trata apenas de pirataria e deve acabar?

Não acho que a pirataria seja má. Acho que é a única maneira de manter algumas culturas fílmicas vivas. Não faço streaming porque escrevo uma coluna sobre DVDs e, portanto, não sinto a necessidade disso. Raramente vi um filme no computador e, portanto, acho difícil julgar porque não faço parte dessa cultura. Mas é-me difícil ver quando me mandam links do Vimeo e assim porque aquilo pára e arranca. Prefiro ser um pouco antiquado nesse sentido. Mas não tenho nada contra quem o faz.

Há muitos jovens a escreverem críticas na Internet. Alguns pensam que estão a matar a atividade da crítica cinematográfica.

Há mais críticas do que havia antes, boas e más. Mas dizer que estão a destruí-la é treta. Isso tem a ver com essa falsa ideia do que é o profissionalismo contra o que não é, que eu não acredito. O único problema tem a ver com a escolha de que filmes ver, que advém de que críticas ler, o que torna difícil a navegação.

A Lista de Schindler (Steven Spielberg, 1994)

Qual a sua opinião sobre o sistema de pontuações do Imdb e Rotten Tomatoes?

Não os uso. Só se ocasionalmente quiser ter acesso a uma crítica. Mas isso tem a ver com desporto, médias e essas coisas. Para mim esses sites estão a transformar o cinema num desporto, o que não me interessa.

Li numa entrevista que deu aos Les Inrocks onde dizia que o cinema de autor de Ford e Hawks já não consegue existir no sistema de Hollywood. Que crê que mudou?

Os estúdios. São estas entidades fixas com os mesmos produtores e pessoal, é uma instituição inteira que está a trabalhar sempre com as mesmas facilidades. É óbvio que há uma perda enorme no cinema por causa disso.

É bastante crítico na forma como o capitalismo define o sistema de distribuição americana. Sugere alguma alternativa?

Gosto da ideia de mercado de nicho, que é outra ideia capitalista que acho mais dócil. Há a ideia errada de quantas mais pessoas gostarem de um filme, melhor. Prefiro a ideia dos gostos das minorias e não julgar os filmes pelos países de onde vêm. Quando trabalhava para o Chicago Reader, a minha audiência media-se pelo número de pessoas que liam esse jornal. Mas no meu website (http://www.jonathanrosenbaum.net/ [1]), que consulto diariamente, são mais importantes as pessoas que me leem à volta do mundo inteiro. E vejo que há mais indivíduos a verem o meu site fora dos EUA do que dentro deles, o que me agrada bastante. A ideia de que os meus leitores são internacionais é muito importante para mim.

O Grande Escândalo (Howard Hawks, 1940)

Sei que é fã de algum do cinema português. Que vê nele que esteja em falta noutros países?

Não penso no cinema português como entidade porque não sei o suficiente dele. Mas para mim o que tem de especial chama-se Manoel de Oliveira e Pedro Costa. A grande maneira de descrever o que o Oliveira ofereceu ao cinema é uma fúria sobre a civilização. A civilização e o seu passado, presente e futuro, o que vai para além do cinema. Quanto ao Pedro Costa, é um bom exemplo de um cineasta que, para além do seu lado poético, é também um crítico. Mesmo que ele não o seja diretamente, sinto que aprendi imenso enquanto crítico de cinema a ver os filmes dele. Evidentemente que há outros filmes portugueses de que gostei, mas não consigo generalizar nem em vê-los em termos nacionalísticos.

Quem considera ser os maiores críticos de cinema no momento?

Dos que conheço, Shiguéhiko Hasumi que escreveu o melhor livro existente sobre o Ozu (Yasujiro Ozu) que, infelizmente, não existe em inglês, mas só em francês. Também gosto muito do Adrian Martin e do Raymond Bellour. A Murielle Joudet que escreve no Trafic e fez artigos muito entusiasmantes sobre a Bette Davies e o James L. Brooks. E o Ignatiy Vishnevetsky que escreve para um jornal humorístico chamado The Onion.

Quem considera os maiores cineastas vivos?

Béla Tarr, Pedro Costa, Godard (obviamente) e Kira Muratova. Dentro dos EUA, o Richard Linklater, o Albert Brooks parece que já não faz mais filmes, mas, se fizesse, inclui-lo-ia, o Jim Jarmusch e o Michael Snow. Tenho a certeza que há outros, mas estes são os que me vêm à cabeça agora.

O Sangue (Pedro Costa, 1989)

Sei que já se cruzou com alguns dos grandes mestres do cinema como Godard, Tati, Nicholas Ray ou Orson Welles. Que encontro foi-lhe mais marcante e recorda com mais afeição?

O Orson Welles porque foi uma figura muito importante para mim. Andava em Paris e escrevi-lhe uma carta sem saber se alguma vez teria resposta. E depois fui convidado a almoçar com ele, o que foi memorável porque só falámos dos filmes dele. (Risos)

Qual é o seu filme favorito?

Tenho 3 que, de vez em quando, vou revendo. O primeiro é Playtime – Vida Moderna (1967) do Tati, o Gertrud (1964) e o Ordet – A Palavra (1955), ambos do Dreyer. A cada nova vez que os vejo, ensinam-me mais sobre o mundo e, consecutivamente, do cinema. O Playtime ensinou-me, literalmente, a viver em cidades e a lidar, de uma forma criativa, com o excesso de informação. O Gertrud é sobre as pessoas não serem capazes de assumirem compromissos, tanto num sentido negativo como positivo. E o Ordet é mais complicado. Eu não sou crente e acho que o Dreyer também não era, mas ao mesmo tempo admiro a forma como falada fé e não só no sentido religioso do termo.

Ordet – A Palavra (Carl Theodor Dreyer, 1955)

Hugo Gomes & Duarte Mata