Quinta-feira, 25 Abril

«Ela»: entrevista a Francisco Lobo e Tiago Correia

Uma declaração de amor em formato de curta-metragem, este Ela, protagonizada por Tiago Correia e Iris Cayatte, que tem estreia esta semana no Festival de Cinema Luso-Brasileiro da Santa Maria da Feira.

Entre o teatro e o cinema experimental, “Ela” foi realizada por Francisco Lobo que, junto com o ator Tiago Correia, falaram com o c7nema a propósito da estreia do filme.

Como surgiu o projecto “Ela”? 

O Ela é a terceira criação “Do discurso amoroso“, um projecto de longa duração dirigido pelo Tiago e produzido pela companhia A Turma, inspirado no “Fragmentos de um discurso amoroso” de Roland Barthes que tem como premissa o cruzamento entre várias disciplinas artísticas. Estamos juntos neste projecto desde a sua criação. Começámos por fazer duas peças de teatro originais cruzando este meio com a música, fotografia e vídeo. No caso do ELA decidimos inverter um bocado as coisas e fazer um filme. O Tiago apresentou-me um texto e propôs-me a realização. 

Trabalhamos durante cerca de seis meses na sua adaptação a um argumento cinematográfico e na pré-produção do filme a equipa foi-se compondo organicamente com pessoas ligadas ao teatro e cinema. Já com a equipa criada analisámos o texto, dissecámos o livro do Barthes e em conjunto partilhámos uma espécie de utopia. Foi desta reunião de pessoas, ideias e vontades que este filme surgiu.

Como foi rodar o filme no Porto, com um pequeno orçamento?

Sendo do Porto, isso era uma condição adquirida, e ainda bem porque o Porto é uma cidade inspiradora. Conseguimos desde logo um grande apoio do Jaime Garcia do Pedras e Pêssegos, que segue o nosso trabalho e sendo ele também um apaixonado pelo livro do Barthes nos cedeu um espaço que foi a base de trabalho para todo o projecto, desde escritório a decór. Foi isso que nos permitiu rodar este projecto num espaço tão curto de tempo. Sem o espaço dele não conseguiríamos ter esta riqueza visual no filme. Preparámos tudo para rodar em duas semanas, o tempo que conseguimos ter toda a equipa reunida. Todas as pessoas aceitaram fazer o filme como um investimento pessoal. Com este investimento de todos e os apoios que reunimos conseguimos tornar a rodagem viável.

 A «Ela» do filme é interpretada pela Iris Cayatte (que vemos agora na série «Boys» da RTP). Como foi escolhida a atriz para esta personagem?

Ela, a nossa personagem feminina, só poderia ser atribuída a uma mulher muito especial. Todo o filme é dedicado a esta personagem. Foi uma procura exigente. Tinha que ser alguém com grande presença e que soubesse existir no silêncio. Não queríamos cair em estereótipos de beleza. A Íris é uma mulher bela, mas real. O Tiago tinha-a conhecido num casting, no ano anterior. Fizemos-lhe o convite, falámos muitas horas ao telefone sobre os “Fragmentos de um discurso amoroso” do Barthes, explicámos-lhe as condições limitadas do projecto, enviámos-lhe o texto, ela leu-o e disse que o tinha achado “confuso e avassalador de tão belo, que era a carta de amor mais bonita que alguma vez havia lido, a mais violenta, a mais romântica, a mais cruel e a mais honesta.” Tivemos muita sorte de a ter encontrado. Ela representa tanto o filme, neste momento, que é impossível imaginar que este filme não tenha sido feito para ela.

Francisco Lobo

«Ela» faz parte de um longo relacionamento de trabalho entre vocês os dois. Que mais projectos tem em conjunto?

Sim, desde 2008 que trabalhamos juntos. Temos colaborado em várias criações, desde teatro, cinema ou mesmo música. Quando podemos escolher com quem trabalhamos, trabalhamos juntos. Ao longo destes anos fomos desenvolvendo uma linguagem e um gosto comuns e confiamos na visão um do outro. Trazemos referências e experiências diferentes para os nossos processos, o que os enriquece.

Acabámos de fazer um videoclip para a banda do Tiago, Les Saint Armand, protagonizado pelo António Durães. Este ano fizemos também A Noite Canta, uma peça de teatro encenada pelo Tiago e protagonizada pela Ana Moreira, que vai estar em digressão nacional em Fevereiro do próximo ano. Estamos sempre a desenvolver projectos e estamos a planear várias coisas para o futuro.

Quais as vossas referências para este filme?

Em primeiro lugar as relações humanas, a nossa vida. É sobre isso que criamos. Admiramos vários autores. Os escritos de Roland Barthes foram a nossa grande referência para este projecto, não só em termos de conteúdo e temática mas também ao nível da dramaturgia. O que resultou, por exemplo, no anonimato das personagens, na fragmentação do discurso e da montagem e, mesmo no processo de criação, na procura permanente da imagem que complementasse o discurso. Claro que temos também vários realizadores e obras que nos inspiraram, como é o caso do Wong Kar Wai, John Cassavettes ou o Jean-Luc Godard. Mas um filme é feito por muitas pessoas, todas elas definidoras do resultado final, cada uma tem as suas referências. Seria uma lista interminável.

Que objetivos tem para o projecto após a estreia no Festival de Cinema Luso-Brasileiro?

Exibi-lo no maior número de salas possível. Agora o importante é perceber a reação das pessoas ao nosso trabalho. A curto prazo e mais concretamente o filme estará em exibição na abertura do Cinema Trindade no Porto, um sítio muito importante e querido para nós, não só por termos rodado parte do filme lá, mas pelo que pode representar para o cinema na cidade. É um privilégio poder fazer parte da programação desta sala e é uma grande oportunidade para todas as pessoas que quiserem ver o filme. 

Ela” é exibido quinta-feira dia 8 de dezembro no Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira.

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