Quinta-feira, 28 Março

Zombies no Portugal pós-Troika? Entrevista a João Camargo, realizador de «Cru»

 

Zombies a devastarem Portugal pós-Troika é a premissa arrojada da longa-metragem Cru, que surpreende pela abordagem de autodistribuição que está a usar para chegar aos espectadores.

Em setembro o filme teve duas sessões, uma em Lisboa e outra no Porto, e com o aproximar do Halloween o filme de João Camargo vai ter sessões por todo o país – antes de uma lançamento online em 2016.

O c7nema falou com o realizador João Camargo sobre este exemplo de empreendedorismo no cinema nacional.

Como surgiu a ideia de fazer uma longa metragem com um orçamento pequeno e depois lançá-la à estrada?

O plano não era propriamente fazer uma longa-metragem com orçamento pequeno, simplesmente escreveu-se um argumento e depois avançámos na operacionalização de contar a história. O orçamento, muito reduzido, foi aquele que conseguimos ir dispensando para as necessidades básicas, e foi principalmente maquilhagem. A estrada seria sempre o seu destino, já que o interesse da história era mesmo que fosse vista por muita gente, usar a ficção para demonstrar vários aspectos evidentes da sociedade e do tempo histórico em que vivemos.

Qual o vosso plano distribuição?

Já estamos a fazer um plano de exibições pelo país: estreámos em Lisboa no Teatro do Bairro, dia 20 de setembro, dia 23 de setembro foi a vez do Porto, onde o filme passou no Teatro Passos Manuel. Neste momento estamos a tentar exibir o filme em núcleos mais pequenos, mais do que propriamente em cinemas e teatros: em associações, em cooperativas culturais, além dos cineclubes. Temos nova exibição marcada para Lisboa a 31 de outubro, no MOB-Espaço Associativo, nova exibição no Porto a 6 de novembro, no Contrabando, e já no dia 3 de outubro passaremos em Viseu, no Carmo 81.

Tentaremos sempre que possível estar presentes nas exibições pelo país, e temos feito contactos bem sucedidos no sentido de passar o filme do Minho ao Algarve. Além disso, vamos inscrever o filme em vários festivais de cinema independente e de terror, em Portugal e fora, para aumentar a nossa capacidade de difusão. No final, pensamos que daqui a uns bons meses, queremos colocar o filme à disposição do público no Youtube e no Vimeo, sabendo sempre que a qualidade não será a mesma que numa grande tela.

De que trata Cru? Qual é a história?

O Cru retrata um surto de violência e mortes em todo o mundo gerado por mortos-vivos, mas em Portugal concretamente o fenómeno dos zombies chega com mais uma avaliação periódica da troika do FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, que estão no centro do contágio. Acompanhamos uma jovem desempregada, a Luísa, enquanto a mesma tenta sobreviver ao surto nos subúrbios de Lisboa, neste caso perto de Almada, perante a inexistência de ajuda. Finalmente a Luísa acaba por encontrar outros sobreviventes e colocam-se várias questões importantes: são crediveis as mensagens e a informação veiculadas pelas fontes oficiais? quem trouxe o surto? o que fazer?


Qual é o vosso histórico na criação de filmes?

Várias pessoas que participaram no filme têm antecedentes na criação de filmes, a Joana Louçã já realizou dois documentários, muitos de nós são ativistas políticos que têm, de tempos a tempos, filmado ações directas, manifestações, etc., etc., com formação em vídeo-activismo. Além de que tivemos também atores com experiência em televisão, cinema e teatro a participar no filme.

Como foi a receção na sessão no Teatro do Bairro?

Correu muito bem a estreia do filme, as pessoas assustaram-se nos momentos de susto e desmancharam-se a rir nos momentos cómicos (o que era uma importante fonte de ansiedade para nós) e no fim recebemos uma ovação geral, o que nos leva a crer que o objetivo inicial, que era passar a mensagem de maneira diferente e entreter, foi cumprida.

Quais são as tuas referências como realizador?

Bem, a primeira e mais importante referência, não tanto minha em geral, mas do filme, é o Night of the Living Dead, de George Romero, de 1968. Faço muitas referências a esse filme, utilizo alguns planos de corte do mesmo (devido a um erro na altura, o filme é domínio público), algumas músicas, referências textuais. Reconheço no Night of the Living Dead, no Dawn of the Dead (1978) do Romero, no Zombi 2 (Lucio Fulci, 1979), no Pontypool (Bruce McDonald, 2008) e no World War Z (Marc Foster, 2013) as principais referências. De resto, a atualidade dos tempos em que vivemos para mim foi a inspiração máxima: a imposição do desespero e da resignação, a máxima da competitividade e a relativização de tudo, desde o valor de direitos básicos de cidadania e humanidade à própria vida. A troika impôs à força a nova lógica, e por isso traz os mortos-vivos. E as contradições, dentro e fora dos sítios que se tentam barricar e tornar estanques, estão à vista.

Mais informações sobre o filme na página: www.facebook.com/crufilme

Notícias