Sexta-feira, 19 Abril

Entrevista a Patrícia Niedermeier e Juliana Terra, protagonistas de «Um Filme Francês»

O C7nema em conjunto com o Rick’s Cinema conversaram com Patrícia Niedermeier e Juliana Terra, as duas atrizes do último trabalho do prolifero realizador e produtor Cavi Borges, Um Filme Francês. Ambas, presentes durante a apresentação do filme na 6ª edição do FESTin: Festival de Cinema Itinerante de Língua Portuguesa, falaram das suas respetivas experiências em viver a nouvelle vague em pleno sol carioca.

Como surgiu o vosso envolvimento no Um Filme Francês?

Juliana Terra: Já tinha feito um trabalho com o Cavi, uma curta-metragem que se chamava História de Borboletas e nessa época nós estávamos próximos. F aí que ele falou que tinha uma longa sobre a Nouvelle Vague, etc. Eu fiquei encantada logo de caras! Ele tinha pensado em outros atores, mas há muito tempo, e agora seria a Paty [Patrícia Niedermeier] a protagonizar. E ia chamar o Erom, que já era um amigo antigo. Então eu aceitei imediatamente. O formato, a ideia de fazer o filme conforme fosse possível na nossa agenda, um formato aberto de criação conjunta, isso me interessou muito.

Patrícia Niedermeier: Então, o Cavi conhecia-me do teatro e foi assistir a uma peça que eu fiz, chamada Orlando. Ele falou-me que estava com esse projeto, deu um tempo e estava pensando em ressuscitá-lo. Um dos papeis ia passar para a Juliana, porque fizeram um filme juntos. Para além disso, tinha o desejo de trabalhar com o Erom. Fomos logo ler o guião e na hora pensámos: “nossa, isto é ótimo, vamos lá, isto vai ser um mergulho”. Tem poesia, tem referências à Nouvelle Vague, mas apropriadas de uma forma autoral. Depois são referências da França e como isso pode tornar-se distintamente carioca, de maneira a que não fosse copiar. Aprofundar aquela questão que interessa. Então nós os três começamos a ensaiar, a mergulhar nesse universo, a trabalhar com a Juliana e com o Erom, que são atores magníficos. O convite do Cavi é como fosse o barco, e todos nós pulamos para dentro dele. Depois temos a Andrea [Aguilera], a nossa produtora, o Vinicius [Brum], um excelente diretor de fotografia e parceiro da Cavideo, e enfim, os outros também entraram no “barquinho”.

Quanto ao trabalho de pesquisa? O Cavi Borges pediu-vos para ver alguns filmes referentes da Nouvelle Vague? Se sim, quais foram?

JT: Os filmes do Goddard e do Truffaut. O Cassavettes também, apesar de não ser exatamente Nouvelle Vague. A gente também tinha um trabalho de criação, de experimentar o que pudesse surgir e guardávamos, porque tudo era feito num só take. Dois takes no máximo.

PN: Nós assistimos aos filmes. A personagem dela [Juliana Terra] é mais inspirada na Anna Karina. O meu caso era um pouco mais o Acossado e o espírito livre da linguagem, da liberdade. No caso do Erom tínhamos mais o estilo do Belmondo [Jean-Paul]. Fora isso, a gente também se encontrava para improvisar, para experimentar, e cumplicidade para jogar em cena, para poder dialogar com estes imprevistos, visto que estávamos a filmar na rua. Você tem que estar muito preparado. Então nos preparamos objetivamente para os filmes, subjetivamente experimentando, aproximando, criando intimidade, porque na verdade tudo se resume a um triângulo amoroso e isso tem que estar na pele, tem que estar no corpo, tem que estar na cena. Acho que é uma coisa bonita, o trabalho de toda a gente, essa cumplicidade direta. Então nós fomos fazendo esse jogo, ou seja, tudo foi uma grande brincadeira. Deram-nos o filme, a nossa intimidade, as nossas improvisações, essa coragem de propor e o outro ir junto.

Como surgiu a escolha dos nomes das suas personagens, visto que a da Patrícia possui o nome de Cleo Borges. Uma referência ao realizador Cavi Borges?

PN: A Cleo é uma referência a Agnés Vardas e ao [Cavi] Borges pelo facto de ser um filme autoral dele . Ele fez o guião. Ele foi à Cinemateca ver os filmes. De certa forma, acho que a Cleo é uma persona da sua vida.

JT: Os afetos, a malha dele, o filme foi todo feito com afeição pelos amigos, por familiares e por desconhecidos.

PN: É um filme sobre o Cavi. Trata-se de um filme autoral, custou 3 mil [reais], ou seja, ele fez o primeiro gesto e a partir desse primeiro gesto nós fizemos uma coreografia, mas foi ele que o propôs. Por isso, acho que a personagem tem um sentido sético da nouvelle vague, ela tem de comum com essa manifestação artística, mas ao mesmo tempo possui a euforia dele: “vamos ensaiar, vamos”. Ou seja, a preparação tem muito a essência de correr atrás. É inspirado nele. Borges é propositado. Sou um alter-ego, eu conjuntamente com as minhas influências, como da nouvelle vague, e com ele.

A Juliana Terra já trabalhou nas três artes performativas – teatro, cinema e televisão – qual delas é que prefere e a que a desafia como atriz?

As áreas são todas diferentes, cada uma tem o seu desafio. O teatro é a minha casa, mas eu queria o alargamento da minha exclusividade como atriz. Mas ao sair da sessão [projeção no FESTin], falei com um realizador e uma amiga, de como é difícil fazer cinema. A televisão para mim, é um lugar que tento manter frescura.

Quanto à peça que surge em cena no filme, ela é verídica?

A peça existe mesmo. É muito engraçado, porque na cena que o Erom está do lado de fora, o encenador da peça encontrava-se atrás dele, sem saber estava a passar por figurante.

Visto Um Filme Francês ser uma obra que reúne ficção e realidade improvisada, como conseguimos diferenciar o que é verdadeiro ou pura encenação?

PN: Não sabemos!

JT: Eu acho que não tem fronteira determinada.

Mas não tinham um guião que seguir concretamente? Tudo era improvisado?

PN: Nós ensaiamos muito antes, até que essa cumplicidade foi apropriada. Até quando alguém falava algo diferente, [e lançavam] uma outra proposta, nós o encarávamos.

JT: Há uma cena em que ela fala um “mas” e logo esquece-se da fala. Mas isso não foi um problema, porque acabamos as duas por fazer as pazes no carro, abraçamos, choramos, dávamos apoio. Isso não era novela, quando se dá carta branca a duas atrizes, não se sabe ao certo o que vai acontecer a seguir.

PN: Pronto, foi “ah, e está bom”. O que nos une é essa paixão pela arte que se desenvolve com coragem, ao mesmo tempo tem de existir um certo percurso de criação. Se um dia está solarengo, o outro dia está nublado, você me perde, você me encontra. Você está sempre caminhando, curando, num terreno instável.

Mas voltando à fronteira do real e ao improvisado, quanto aquela cena na sala de montagem? O homem que estava consigo [Patrícia Niedermeier] é mesmo o editor do filme?

PN: O homem que está atrás de mim na cena da sala de edição, é mesmo o editor [André Sampaio]. É mais um argumento de que o filme é feito de camadas sobre camadas.

JT: É uma delicia, quer dizer, eu faço de atriz. Uma atriz que vai fazer um filme e ao mesmo tempo está a fazer uma peça. Ou seja, estão milhões de camadas ali. Uma coisa que eu gosto no filme é a sua metalinguagem.

PN: Aliás, todas as personagens o dominam, até porque o André é um “super-editor” munido com essa poesia da “moviola” [aparelho utilizado para visualização de um filme enquanto se edita o mesmo]. Para editar o filme dela. O Macalé era realmente ele próprio e estava lá na casa dela e era o vizinho de baixo. Foi tudo improviso, até mesmo a pergunta que a minha personagem faz a ele , “o que achou do meu filme?” é verdadeira.

JT: E quem faz o mestre dela é realmente um cineasta brasileiro. Aí o Macalé fala: “ele sabe mais de cinema do que eu de música”.

Ou seja, tirando o trio protagonista, todas as outras figuras são reais? Foi alguma tentativa de demonstrar uma certa manifestação cultural?

JT: Sim, foi dialogando muito com essa cultura carioca.

PN: O Macalé, Azulay, entre outros. São figuras relevantes da cultura carioca.

Como foi trabalhar com o ator Erom Cordeiro?

JT: Maravilhoso! Ele é um ator que propõe coisas inusitadas. Lembro-me durante a rodagem de ele começar a cantar uma música da infância dele muito louca …

PN: Pois, como fosse um valsa! Foi óptimo. Do Erom, eu ri muito dele porque ele no filme é muito canalha. Ele compôs com poucos recursos, mas com clareza uma linha muito rica. Mas tudo isso, com poucos recursos. E ele é muito generoso, uma delicia de pessoa.

Quanto a novos projetos?

JT: Eu, no ano passado, estive em cartaz com uma peça, um monólogo, mas um monólogo sem a voz, em que voltava para a casa de infância e tinha memórias vivas daquele lugar, interpretadas por outras personagens. Agora tenho algumas reuniões para fazer uma peça aqui em Lisboa.

PN: Quando voltar para o Rio, está à minha espera um filme com o Cavi e ainda tenho outro com o Rosemberg Filho, que é um realizador tão inconfundível, tão importante, tão autoral, que estava há trinta anos sem fazer uma longa e que estreou no ano passado com Dois Casamentos.

Fale-nos mais sobre essa colaboração com Rosemberg Filho?

PN: Sim, ele filmou Dois Casamentos – que está agora em circuito nos Festivais – e eu vou integrar a sua nova longa-metragem, que se chama a Guerra do Paraguai. Mas também tenho outros filmes, com outros cineastas.

JT: Esqueci-me de falar, mas vou também estrear como realizadora [risos] de teatro.

PN: Atenção que quero um papel. [risos]

Qual a vossa opinião acerca da importância dos Festivais de Cinema?

PN: A importância? Total! É oxigénio, é arte, é comunhão.

JT: São encontros e a oportunidade de ver muitos filmes que não entram em cartaz, mas que só se conseguem assistir em festivais.

PN: E não só. É o contato com outras pessoa. Ao mesmo tempo você mostra o seu filme a outras plateias. E como artista pode construir uma linguagem que toca nas pessoas. É tudo comunicação.

JT: Quando você vai ao cinema, quer sozinho ou acompanhado, acabam de ver o filme e vão embora. No festival não, você tem essa troca depois.

Sentiram-se como uma musa de Godard?

JT: Eu amo muito a Nouvelle Vague e a maneira que eles indiciavam os filmes, e principalmente o Godard, que foi a grande inspiração do Cavi – e ele tinha essa relação, aliás ele foi casado com a Anna Karina, enquanto que o Cavi é casado com a Patty – e ele assumiu essa relação. Isso é tudo uma brincadeira, já que ele é casado com a Patty, mas Anna Karina é uma referência [risos]. Mas mesmo assim, nós somos muito diferentes uma da outra, sendo que eu tenho uma identidade clara que dá para ter lugar na musa. A Diva.

PN: Eu sou mais atriz de teatro. Também aprendi dança contemporânea, mas é com o Cavi que me tenho dedicado ao Cinema. E descobri, tal como a Juliana falou, uma outra linguagem com as suas susceptibilidades. Mas ainda tenho muito tempo para descobrir, para reinventar. É um universo gigantesco, muito rico, aquele que eu estou a entrar.

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