Sexta-feira, 19 Abril

Wim Wenders: «A Europa tem um sex appeal diferente»

Wim Wenders, o Presidente da Academia de Cinema Europeu, em conversa com o c7nema

Falámos com o Sr. Presidente  numa altura central da sua vida, da sua carreira e também da própria Academia de Cinema Europeu. Prestes a completar 70 anos (o que será apenas em agosto do ano que vem), terá direito a uma retrospetiva da sua carreira já em fevereiro, no festival de Berlim; entretanto prepara também o seu próximo filme, Everything Will Be Fine, tendo já finalizado o seu documentário sobre o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, e ainda a série de documentários em 3D, Cathedrals of Culture. E, sim, falámos disso tudo, e não só, como a sua paixão pela pintura. Sempre atencioso, sem abandonar a sua calma proverbial. Pois é. Wim Wenders é um senhor. Do qual tivemos a felicidade de que pegasse numa câmara de filmar e nos desse esse enorme acervo fílmico que é a sua filmografia. Com dez filmes preparados para revisitar na Berlinale em cópias digitais 4K como o próprio nos confirmou. Agora vamos à conversa.

Como vê a Academia de Cinema Europeu (EFA) numa altura em que reequaciona os seus valores e projeta o futuro? Haverá também aqui um momento de crise?

Sempre tentámos melhorar a cerimónia e tudo o resto. Mas estamos num momento crucial, pois estamos num tempo de crise – não no caso da EFA -, mas uma crise de cerimónias de prémios. Com os Óscares passa-se a mesma coisa – muito menos pessoas assistem, tal como os Césars ou os BAFTAs. As cerimónias de prémios, especialmente na televisão, são cada vez menos populares. Estamos preocupados e num processo de reinventar a cerimónia. Temos de pensar em algo diferente.

Acha que essa crise também poderá estar relacionada com uma crise da indústria?

O problema é que temos 50 países produtores, mas não temos muitas estrelas. Alguns realizadores serão mais conhecidos. A popularidade do programa de tv dependeu sempre muito das estrelas, estivesses elas nomeadas ou apenas a participar na cerimónia. Mas também é por isso que fazemos esta cerimónia, para divulgar estes novos nomes. Nos Óscares conhecemos toda a gente. Mas esse é o ritmo do cinema europeu.

Mesmo assim temos este ano uma seleção excelente de filmes…

Sim, é espantosa. Há filmes de todos os cantos da Europa. Turquia, Rússia, Suécia, Polónia, Dinamarca, França… E vimos também como muito deles foram nomeados para os Globos de Ouro. É um ano muito rico. O nível é muito elevado.

Falemos um pouco sobre o Salt of the Earth e sobre a foto do Sebastião Salgado que tem no seu gabinete. Onde foi que a arranjou e porque a seduziu tanto?

Essa foto foi-me oferecida por um jovem fotógrafo há 25 anos atrás. Na altura não sabia o nome dele. Havia uma exposição de fotos na baixa de Los Angeles sobre uma mina de ouro. Por acaso entrei e fiquei fascinado por essa exposição. Percebi que era um fotografo extraordinário com um olhar fascinante. Nessa foto vemos a loucura que é essa mina e as pessoas que lá trabalham. Um homem faz uma pausa encostando-se a uma viga. Foi quase uma sensação sagrada. Guardei-a durante estes anos todos. É claro que tudo começou por esta fotografia que se tornou num objeto amigo.


Wim Wenders e Sebastião Salgado

Vai continuar a série Catedrals of Cultures?

A série foi planeada para 12 episódios, mas a dificuldade é que para a maioria das televisões o 3D não é viável. Para mim era crucial fazer a série em 3D. Por isso, acabámos por arranjar apenas financiamento para seis episódios. Gostaria de fazer mais, e ainda estamos tentar. Possivelmente, talvez consigamos fazer uma segunda série para o ano, mas ainda estamos a trabalhar nisso.

Já agora pode falar um pouco sobre o seu novo filme, Everything Will Be Fine?

Sim, é o meu próximo filme. Ainda não está acabado. Vou acabar a montagem na próxima primavera ou no próximo verão. Há cerca de oito ou nove anos atrás, estava no festival de Sundance, no Utah, e participei no júri de um workshop de argumentistas. Fizemos uma competição e um dos guiões, do Bjorn Olaf Johanessen, acabou por ser premiado. E até ganhou bastante dinheiro, 200 mil dólares. O guião, na altura, chamava-se Nowhere Man (2008, realizado por Patrice Toye). Gostei tanto dessa história que acabei por ser produtor executivo, procurando assegurar que o filme viesse a ser feito. O filme foi filmado na Bélgica. Foi rodado em flamengo. Na altura disse-lhe que se tivesse um outro guião que mo enviasse. Entretanto, muito tempo passou e em 2009 alguém me enviou um guião e afinal era o Everything Will Be Fine. Era apenas a primeira versão, mas gostei tanto dele como gostara de Nowhere Man. Acabei por comprar os direitos do filme e acabámos a rodagem este inverno. Se tudo correr bem, o filme estará pronto entre março ou abril. Tem um elenco internacional: James Franco, Charlotte Gainsbourg e Rachel McAdams. Mais não posso contar.

A história deste homem que mata acidentalmente uma criança é de alguma forma baseada em factos reais ou é pura ficção?

Daquilo que eu sei é apenas ficção.

Ainda possui o primeiro projetor da sua juventude?

Ainda tenho sim. A lâmpada acabou e não consegui encontrar outra. Tenho também os filmes de 9.5mm, mas não os consigo projetar.

Se tivesse a oportunidade de entrevistar os anjos de As Asas do Desejo o que lhes diria?

Seria difícil entrevista-los porque são invisíveis. Primeiro teria de encontrar uma câmara que os pudesse captar. Talvez uma câmara para preto e branco. É uma pergunta interessante porque quando comecei a filmar, estas figuras eram para mim metáforas. Eu não acredito em anjos, mas com tantas coisas imprevisíveis que nos aconteceram, que a certa altura comecei a acreditar que teria alguma ajuda exterior. Ainda assim não sei se conseguiria entrevistar algum desses anjos. Até porque também não têm agentes de imprensa.

No próximo festival de Berlim vai receber um prémio de carreira. O que significam para si estes prémios?

Fazem-me parecer que estou quase a fazer setenta anos (será a 14 de agosto). O festival de Berlim é quase como se fosse também a minha casa. Pelo menos nessa altura era quando todos os meus amigos me vinham visitar, em vez de ser eu a viajar. Por isso, trata-se de um prémio muito especial. Apenas mostrei três filmes em Berlim: Buena Vista Social Club, Million Dollar Hotel e Pina. Normalmente nessa altura estava a fazer montagem, mas conseguia ver muitos filmes. Por isso é muito importante ter esta homenagem em Berlim, onde irão mostrar dez dos meus filmes, todos restaurados, em cópias digitais 4K. Vai ser muito especial.

Com uma carreira tão vasta e diversificada, que momentos gostaria de destacar?

Acho que talvez os meus primeiros filmes, onde está aquela inocência que não iremos mais recuperar. Fiz Alice nas Cidades quando tinha apenas 27 anos. É talvez um dos filmes de que me orgulho ter feito.

Diria que o seu olho de fotografo o tornou no realizador que é hoje?

Não sei. Acho que tanto como fotografo como realizador, acho que devo muito tanto à história da fotografia como do cinema, mas talvez mais ainda à história da pintura. E até como contador de histórias acho que devo mais aos pintores do que outros realizadores.

Alguns que são os seus favoritos?

Teria de falar em Vermeer, o meu grande herói. Paul Klee e um jovem pintor americano que foi uma inspiração para Everything Will be Fine, que é o Andrew Wyeth. Fui muito influenciado pela pintura.

Agora que olha para trás, sente que poderia ter sido outra coisa em vez de realizador? Pintor, talvez…

Nesta altura é sempre natural que se pense assim. Mas sempre gostei do cheiro da tinta. Mas há alturas na vida em que temos sempre de tomar decisões. E às vezes questiono-me qual seria a minha vida se tivesse sido pintor. É algo que ainda penso em poder vir a fazer.

Mas pinta?

Faço aguarelas. Pintar leva muito tempo. Aguarelas posso fazer enquanto viajo.

E porque faz filmes?

Porque descobri que era a arte mais completa. O meu dilema era que escrevia, fazia crítica de cinema, alguns ensaios, histórias; gosto muito de música, cheguei a tocar um instrumento, mas não era suficientemente bom. Mas continuo a gostar muito de música. Gosto de arquitetura. Gosto de muitos tipos de arte, mas acho que o cinema é a súmula de todas. Algo que me permite tocar em todas as outras. Acho que trabalho num meio muito privilegiado. Não trocaria por nada.

Para terminar, acha que parte dos problemas que existem no cinema europeu são parte dos problemas de identidade da União Europeia? Sente que a solução poderá passar por uma federação e nesse sentido pela política de coproduções, ou apostar mais no lado autoral? Uma pergunta algo complexa, mas responda como desejar…

Acho que os cinco nomeados deste anos dão uma boa resposta da diversidade do cinema europeu. É isso que a comunidade de europeus precisa: de estar mais enraizada naquilo que é seu e naquilo que lhe é específico. Mas a Europa política parece que só está preocupada com financiamentos e aspetos económicos. Nada mais que isso. Parece que nós os europeus apenas precisamos de uma economia forte. Estou farto dessa conversa! Acho que a Europa deve apresentar-se como realmente é, uma entidade cultural . Temos várias coisas em comum. A Europa que está a ser projetada pelos políticos não é uma Europa emocional, é apenas um fatal e pobre conceito económico. Os nossos filmes mostram que a Europa tem um lado bem diferente. E um sex appeal diferente. Uma identidade diferente para oferecer. É o que estamos a tentar fazer com os prémios do cinema Europeu, conferir à Europa uma noção mais quente do que o espectros da crise e dos financiamentos.

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