Quinta-feira, 25 Abril

Edgar Pêra: «o cinema feito em Portugal nunca foi tão diversificado como hoje»

 

No âmbito da estreia de Virados do Avesso, que chega aos cinemas nacionais esta semana, o C7nema teve o privilégio de falar com Edgar Pêra, o realizador deste pitoresco caso de perda de identidade de um homossexual. Para além das questões em torno da comédia, tivemos ainda hipótese de saber mais sobre os futuros projetos, os atores “fetiche” e o seu interesse em consolidar o público português com o cinema “da sua terra”.

Como surgiu a ideia para esta comédia?

A ideia veio dos argumentistas e da vontade da produtora em fazer uma comédia popular. Depois adaptei em conjunto com os atores, de forma a dar corpo àquele cocktail pós-modernos de clichés das comédias românticas. Virados do Avesso é sobretudo um filme de performances cómicas, em que os têm toda a primazia.

O que lhe atraiu neste projeto, visto ser um filme de vertente mais comercial?

A ideia base de alguém que perde a memória da sua identidade sexual. É um conceito de ficção científica que pode originar cenas hilariantes, e que ao mesmo tempo põe em causa a nossa ideia de “normalidade”.

Existe algum cuidado especial quando se faz um filme comercial como Virados de Avesso e uma obra mais autoral como O Barão, por exemplo?

Existe a preocupação em atrair o máximo de espectadores portugueses do presente. Em O Barão, houve uma preocupação em criar um património para o futuro, é um filme para ir sendo visto.

Em relação ao politicamente correto que tem afetado as obras cinematográficas, nomeadamente a do género de comédia. É arriscado em Portugal trabalhar com temas ainda delicados como é o caso da homossexualidade, principalmente sob o jeito de paródia?

Nunca tive medo de arriscar, é tarde para arrepiar caminho. Esta comédia parte de estereótipos, não vale a pena procurarmos personagens tridimensionais. Há sobretudo a preocupação em levar mais longe alguns clichés como o do macho lusitano e o artista plástico, ou o escritor gay no armário. São caricaturas e como tal são de uma espessura muito fina, são bidimensionais, cartoonescas.

Quando surgem comédias cinematográficas nacionais, tem-se a tendência de comparar ou invocar a idade do ouro do cinema português (os tempos de Vasco Santana e António Silva). Será difícil superar esses tempos, ou Portugal está preparado para seguir em frente em relação a essas memórias?

Quando fiz A Janela (Maryalva Mix) revistei os fantasmas da comédia portuguesa, à luz de uma linguagem de vanguarda. Com Virados do Avesso, o humor nasce sobretudo da farsa popular. Vamos esperar pelos resultados. Mas não acredito que a idade de ouro do cinema português esteja localizada nos anos 40. Essa época foi a idade de ouro do teatro de revista e esses filmes são a sua transposição cinematográfica. De resto, acho que o cinema feito em Portugal nunca foi tão diversificado como hoje.

Acredita que existe um certo preconceito por parte do público ao cinema nacional?

Estamos demasiado habituados a ver cinema legendado falado em inglês para nos habituarmos ao cinema falado em português. Aconteceu algo de semelhante com a música há umas décadas atrás, mas aí houve uma evolução maior do público. O problema maior é a formatação das mentalidades, estamos todos condicionados a consumir produtos e subprodutos de Hollywood. Nesse sentido somos um povo culturalmente colonizado pelo cine-Império hollywoodesco.

Na sua opinião, a educação é um meio fulcral para fazer filmes, ou o talento é o quanto baste para ser cineasta?

A educação serve sobretudo para termos uma ideia da história do cinema, e depois procurarmos encontrar um lugar nela.

O som continua a ser uma importante marca da sua carreira? O que é e não é gravado em pós-produção?

No caso de O Barão, houve uma grande percentagem de som re-gravado e de dobragens, de forma a criar um som límpido e dramático. Virados é uma comédia, e como houve bastante improviso na criação das cenas torna-se mais difícil substituir o som direto sem perder a espontaneidade da performance dos atores.

Escolheu o elenco para o filme?

Quase todo. O casting foi fundamental para começar a pensar no filme.

O ator Nuno Melo tem participado em muitos dos seus projetos. Será que podemos afirmar que ele é o seu actor «fetiche»?

O Nuno funciona como um ecrã das minhas ideias de cinema. É mais fácil trabalhar com pessoas que conhecem os nossos métodos. Mas gosto sempre de trabalhar com novos atores e neste filme conheci atores surpreendentes.

Está previsto algum lançamento internacional da obra?

Espero que sim.

Lançou um livro no ano passado onde contava algumas das histórias mais curiosas de Hollywood. Tem mais algum projeto literário? Foi este o primeiro de mais livros?

Estou a escrever outro livro: O Espectador Espantado, que será também um filme em 3D.

Quanto a novos projetos cinematográficos?

Vamos filmar muito em breve a Caverna, uma curta-metragem 3D, estou a preparar um documentário sobre o Roussado Pinto, e estou a escrever com a Luísa Costa Gomes Não Sou Nada, para além de mais uma mão cheia de projetos por revelar. E pretendo estrear em janeiro, outra longa-metragem em 3D, Lisbon Revisited, inspirada na obra de Fernando Pessoa.

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