Terça-feira, 23 Abril

Entrevista a Daniele Gaglianone, realizador de «La Mia Classe»

Por ocasião da 8 1/2 Festa do Cinema Italiano, o C7nema teve oportunidade de falar com Daniele Gaglianone, o realizador de La Mia Classe. Aqui ficam as suas palavras.

Como surgiu a ideia de La Mia Classe?

Esta foi a primeira vez que faço um filme que vem de uma ideia que não tive. Este projecto nasceu através de duas pessoas que propuseram ao produtor que fizesse um filme que explorasse o mundo das aulas de italiano para estrangeiros e daí nasceu a ideia de confrontar um ator, Valerio Mastrandea, muito famoso em Itália, com uma sala de aulas verdadeira, com estudantes verdadeiros.

(acrescentado pelo produtor Gianluca Arcopinto): A primeira proposta que tive foi de fazer uma série de televisão. Eu não sendo um produtor de televisão, nunca fiz nada para a televisão, sempre fiz cinema, então imaginei este projecto para o cinema e automaticamente pensei em propo-lo a Danielle Gaglianone, que por sua vez pensou em Valerio Mastrandea.

Até onde se consegue distinguir a ficção da realidade em La Mia Classe?

No principio do filme há uma cena muito importante, que se calhar uma pessoa a vê-la não se apercebe imediatamente da importância dessa mesma cena mas que dá uma ideia de partida para o resto do filme.

É a cena em que a equipa está a colocar os microfones nos estudantes e que de seguida fazem os testes de som. Trata-se de uma cena muito verdadeira onde os técnicos estavam realmente a fazer os testes de som sem qualquer indicação minha. Eles realmente estavam a perguntar o que precisavam de perguntar aos estudantes para realizar os ditos testes.

Só dei uma indicação para todos, para os estudantes, para o ator, de que a cena não estava a ser filmada. Quando o espectador vê esta cena pensa apenas que é uma cena de bastidores. Mas na realidade algo de estranho e diferente dos outros bastidores que estamos habituados a ver, é que as câmaras estão a ser realmente ignoradas. E o filme é mesmo isso. Ao mesmo tempo algo verdadeiro como algo de interpretação. Conduzo o espectador a tomar a ideia do que é o filme, e o filme dentro do filme. E até certo momento o espectador pára de fazer estas perguntas “o que é o filme” e o “filme dentro do filme” e já não pensa nessa questão. Porque não existem estes dois níveis de que são induzidos. O filme é um e é como a cena do principio – os testes de som dos técnicos.

Foi difícil trabalhar com “não atores”?

Não, porque preparamos muito bem o filme, criamos uma boa relação em todos os nós e o segredo do filme foi criar um relação pelo qual pudesse acontecer coisas sem a necessidade de um guião.

Como foi trabalhar com Valerio Mastrandea?

Conheço o Mastrandea mais ou menos há dez anos e apesar desse tempo nunca fomos muito próximos, só durante a rodagem de Ruggine é que a nossa relação ficou mais estreita. A primeira pessoa em que eu pensei quando Gianluca Arcopinto propôs-me o projecto foi instintivamente o Valerio Mastrandea. Durante o filme percebi uma coisa surpreendente: durante as filmagens sente-se que ele está ali por acaso. É como fosse visitar as filmagens de um amigo.

Na tensão que existe durante as filmagens, esta atitude poderá fazer-nos pensar que ele não está a levar o trabalho a sério. Na realidade, a certo momento apercebe-se que esta sua atitude é uma grande capacidade de se adaptar às situações expostas. É como estivesse transformado as rodagens numa casa sua. Estava completamente à vontade. Ele tem uma capacidade credível para fazer qualquer personagem, mas é mais credível ainda a fazer dele próprio. Eu gostei muito de trabalhar com ele.

La Mia Classe aborda um crescente panorama social em Itália. Com vê a condição de imigrante no seu país?

Em Itália há uma lei de imigração muito severa e nestas últimas semanas foi um pouco atenuada. O filme enfrenta a imigração e a integração de uma forma quase anómala e inesperada. Nós estamos habituados a ver estas pessoas sob num certo estereotipo, um certo cliché, e a primeira coisa que esperamos não é necessariamente irem para uma escola.

Adultos numa escola, aprendendo línguas como fossem crianças – isto foi uma coisa que vi e fiquei chocado com esta perspectiva. Foi um ponto de vista que obriga a mudar a maneira de ver esta realidade. Não só em relação à imigração, mas também a mudar a perspetiva do funcionamento de toda a sociedade em geral, que precisa urgentemente de uma mudança de perspetiva. Porque há uma grande sensação desta necessidade, quer a nível social, politico ou económico, de encontrar respostas. Mas a questão é que nós estamos a fazer as perguntas erradas. As respostas não podem ser as certas se as perguntas não são as corretas. Em Itália, e não só, a imigração é vista por especulações politicas como um assunto de ordem pública. Portanto, as respostas são de ordem pública. Isto são dados oficiais de que se não houvessem imigrantes em Itália, a relação entre nascimentos e mortos seria já negativa. Ninguém sabe, porque ninguém diz estas coisas. Só isto consegue mudar a perspectiva em relação a esta situação. Também não me considero um pessoa, daquelas “chiques”, que diz “ai tão bonito este mundo tão cultural”. Não é por não gostar, mas não é esta maneira de ver as coisas. O Mundo é mais complicado que isso e não nos podemos esconder em frases bonitas.

Não é preciso dar as questões, é preciso ir à raiz, ao fundamento das coisas. As perguntas são duas: porque é que as pessoas saem das casas deles e dos seus países? A resposta: porque é um inferno, porque não estão bem e têm a necessidade de ir embora. Outra pergunta: porque é que eles não estão ali e porque têm que ir embora? A resposta para esta segunda pergunta não podemos dar, porque a resposta é imputável ao nosso sistema económico mundial. Nós é que causamos este panorama. O que é preciso fazer é não conseguir uma resposta a esta “invasão” de imigrantes, mas tentar entender e perceber o porquê de eles estar a imigrar e não tentar responder à imigração que está a acontecer dentro do país.

A certa altura uma das personagens do filme afirma “temos que respeitar as leis, até mesmo as que impedem o nosso direito de viver”. Concorda com esta frase?

Um dos conflitos do filme são questões e problemas que as sociedades ocidentais já trazem com eles desde os tempos antigos. Que é um conflito entre a lei da cidade, a lei da ética e noutros casos a lei da ditadura. Um dos factores que fazem perceber esta crise económica-politica e cultural é que a justiça e a legalidade acabam por ser sinónimos. A justiça é um valor e a legalidade deveria ser um instrumento ao serviço deste valor. Se a legalidade transforma-se em valor, então é por isso que são originadas leis como estas, em que uma pessoa tem que submeter-se a seguir tais leis para não entrar em conflito com o valor da justiça.

A justiça é um conceito que poderia ser usada para anular as desigualdades. Então é aí que se percebe que há algo de errado se a lei tem como objetivo gerar estas desigualdades e gerir essas mesmos desigualdades. Mostramos o filme em Ancona, numa prisão italiana, e uma amiga que me indicou a prisão revelou que em Itália há mais de 66 mil encarcerados, dos quais só 11 pessoas é que estão detidas por causa de crimes financeiros. Acho que não há mais nada a dizer depois deste facto. Se calhar é o mesmo em Portugal, mas nós não sabemos. Não só apenas eu que digo que em Itália não existe democracia nem justiça, são os próprios factos que o demonstram.

Quanto aos seus próximos projetos? Pretende continuar esta fórmula?

Não, não vou continuar esta fórmula. Estou de momento a terminar com muito esforço dois documentários sobre questões muito problemáticas em Itália, um deles é sobre o lixo nuclear. Estão de momento a por todo o lixo nuclear num lugar em Itália onde sistematicamente ocorrem inundações. O outro documentário é sobre uma linha férrea que está a ser construída entre Turim e França, mas que ainda não sabem se que é para mercadorias ou passageiros. Há duas visões, uma é que esta linha férrea possa trazer um avanço económico para a região, coisa que não acontece há 20 anos. Outra é que estão a enganar o povo italiano, algo semelhante do que aconteceu com a ponte sobre o estreito Messina. Outro projeto é um filme de ficção que tem como temática o desafio, mas que é uma comédia muito especial (risos).

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