Sexta-feira, 29 Março

Entrevista a Ziad Doueiri, o realizador de «O Atentado»

O cineasta libanês Ziad Doueiri esteve em Lisboa para participar na Mostra de Cinema Judaico, onde apresentou a antestreia do seu filme O Atentado, em cartaz em Portugal desde quinta-feira (03/04).

Aqui fica a nossa conversa com ele:

O que te atraiu neste projeto e qual a sua conexão emocional com o material/livro (homónimo, de Yasmina Khadra)?

O que me atraiu foi a personagem de Amin Jaafari, é uma personagem profunda e cheia de significado. Você sente uma enorme simpatia por ele. Também gosto da parte da investigação, há muito trabalho de detetive neste filme. Eu estou ligado com o filme porque cresci no Médio Oriente, eu sei o que se passa. Eu posso não estar necessariamente ao corrente de tudo, mas o território é-me familiar. Mas esta não é a razão principal. Quando você é um realizador ou argumentista você procura por uma boa história e como vai contá-la. Isto é o que preocupa um cineasta, não a política. A política é o contexto, o pano de fundo… Eu não escrevi o filme a pensar em política.

Mas é um filme muito político…

OK, mas se você não tem uma personagem forte ninguém presta atenção à política. Se você tem um filme cheio de política e sem uma boa história e boas personagens, ninguém liga a ele. As pessoas vão ao cinema para ver histórias.

Esta personagem também mostra uma face pouco conhecida de Israel, a de palestinianos a viver de forma bem-sucedida no interior sociedade israelita…

Sim, é uma personagem forte também porque é muito ambígua. Porque ele questiona, ‘sou israelita, sou palestiniano… ou nenhum dos dois?’ E, no final descobre que é rejeitado por ambos. É uma personagem que pode estar em sintonia com… eu não sei, Portugal ou Moçambique, por exemplo. Pode ser passada em qualquer país.

O filme inicia com um atentado brutal que vitimou principalmente crianças. Ainda assim, consegue contornar o assunto e mostrar os dois lados sem tomar partido.

Eu tomo um lado. Não o faço da maneira mais óbvia, mas tomo um lado. Eu não sei se encontrei um equilíbrio, apenas mostro uma perspetiva israelita da mesma forma que tento mostrar uma árabe. Não é totalmente um equilíbrio, mas eu não tentei chatear as pessoas, embora isso tenha acontecido com algumas delas.

Incomodou os árabes.

Sim, muito mais os árabes. Isso porque eu concedo um ponto de vista dos judeus e, para os árabes, não pode haver um ponto de vista judeu. Mas eles que se f*, eu dei na mesma.

Mas porque os árabes não gostaram do filme, que mostra a luta deles? O filme foi proibido no seu país… Como lida com isso?

Eu tive problemas porque eles não estão preparados para ver realizadores árabes a trabalharem com atores judeus. Eles dizem que é traição, que é estúpido. Para eles não se pode pôr num mesmo nível oprimidos e opressores.

É como o seu protagonista…

Sim, é o que eles acham. Eu não vejo assim, acho que é um assunto complexo. Ou seja, tu como judeu podes ter um ponto de vista do qual eu até posso discordar, o mesmo se passa com a perspetiva árabe. É uma daquelas questões onde não posso satisfazer toda a gente. Os árabes foram mais opostos que todos os outros. O que posso dizer? Eu fiquei chateado com isso durante muito tempo. Agora o filme será lançado em Israel.

Quando?

Eu ainda não tenho a certeza. Mas o filme já foi comprado, assim como no Brasil.

O que espera das reações em Israel?

Acho que vai ser OK, os israelitas estão prontos para assisti-lo. Eles são mais mente aberta para as críticas. Os árabes não são abertos à autocrítica. Os judeus são capazes de se sentar e dizer ‘eu cometi erros’. Os árabes não são capazes de dizer ‘eu cometi um erro’, eles dizem ‘os israelitas cometeram todos os erros’.

Antes do Atentado, o seu projeto anterior foi Entre as Pernas de Lila, de 2005. Por que este hiato temporal?

Eu comecei a escrever O Atentado apenas um ano depois do Lila. Era suposto ser filmado em 2007 mas a companhia na América, a Focus Features, ficou com o argumento e não me deixou filmar. Não queriam que eu o fizesse. E por isso ficou em stand by por três ou quatro anos. Caso contrário o filme teria sido feito nesta altura. Durante este tempo eu decidi que estava farto de trabalhar no cinema. Foi muito desencorajador a Focus ter-me retirado o filme. Achei que era injusto e fiquei magoado. Eu pensei que estava terminado e que já não iria trabalhar mais neste ramo.

Cheguei a um ponto em que achei que não valia mais a pena lutar, lutar e lutar e não conseguir fazer o filme porque alguém ficava com ele. Eu perdi a esperança, mas depois voltei à carga e finalmente consegui fazê-lo. Além dos quatro anos de negociações para recuperá-lo, ainda foi necessário mais tempo para arranjar financiamento.

O dinheiro era francês?

Não, a maior parte do dinheiro veio do Qatar e algum do Egito. Os franceses entraram com uma pequena parte. E o governo da Bélgica também entrou com algum mas depois quiseram retirar o nome deles do filme.

E agora, a questão fatal. Já sei que não gosta dela, mas tenho de a fazer. Como foi a sua experiência com Quentin Tarantino?

Não gosto do assunto porque isso é passado, foi há muito tempo. Ele é um grande realizador, mudou a forma como as pessoas escrevem os diálogos, como escrevem suas histórias. É muito imitado, embora ninguém consiga ser igual. Eu não faço filmes assim, eu não sou influenciado pelo Quentin. Não temos absolutamente nada comum, mas gosto muito dele. É um dos melhores realizadores, dos mais espertos, mais criativos. É um génio.

Por que decidiu sair dos Estados Unidos e voltar para o Líbano?

Conheci uma rapariga. Eu vivi no México porque me apaixonei por uma rapariga lá e então mudei-me. Depois conheci outra em França e fui para lá. Espero não conhecer ninguém em Lisboa se não vou ter que me mudar para cá! (risos). Agora vivo em Paris, desde 2012.

Também se tem falado de uma parceria sua com Gérard Depardieu num projeto chamado Affaires étrangères

Eu terminei o guião há algum tempo e contactei o Depardieu mas ainda não conseguimos o financiamento. Seria um filme muito caro, não posso falar ainda sobre ele. As notícias saíram no jornal Le Monde quando, numa entrevista, o Depardieu disse que queria fazer aquele filme. Eu li na Internet, no Facebook, e pensei, “mas por que raio ele disse aquilo?” (risos). Eu não tenho sequer um centavo para fazer o filme! Então liguei para a agente dele na semana passada e ela disse que ‘sim, ele tem estado a falar do filme’. Eu disse ‘mas não temos financiamento’ e ela disse, ‘sim, eu sei’.

E também tem outro projeto…

Sim, tenho outro guião que deve começar a ser filmado ainda este ano. Temos o financiamento do Arte, o canal de televisão francês. Eu vou ter uma reunião no próximo mês para tentar decidir se começa a ser filmado este ano ou no próximo. É um drama, é como se fosse a continuação de O Atentado, mas com uma história mais leve.

Será filmado em França?

Não, vou filmar em Beirute. É um filme de tribunal, com duas pessoas a irem à corte. Eles estão a lutar por uma coisa muito estúpida mas aquilo que começa com uma pequena disputa vai se tornando cada vez maior até se tornar quase uma guerra civil. Tem humor, tem um final feliz. Não muito feliz, mas feliz.

Tem também toda a minha frustração em relação aos árabes e à questão palestiniana. É uma reação ao que eles fizeram ao Atentado. Porque eu fui tão atacado pelos árabes que eu decidi vingar-me. O filme é sobre isso. Eu era muito pró-palestiniano, eu cresci num ambiente de esquerda, a minha família era pró-palestiniana. Mas agora sou antipalestiniano porque eles fizeram ataques à minha pessoa. É um comportamento muito infantil da minha parte, eu comporto-me como uma criança, não sou maduro, sou muito reativo. Olho por olho, dente por dente. Mas eles causaram-me muitos danos e então o meu próximo filme será contra eles. Será com classe, mas será a minha pequena vingança contra os palestinianos.

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