Sexta-feira, 29 Março

A Essência do Amor: procura-se homem enigmático para vaiá-lo

Um cartaz com a única foto (relevante) até hoje conseguida de Terrence Malick ilustrava um cartaz de “procurado vivo ou morto” que circulou pela uma última edição do Festival de Veneza, onde To The Wonder (esqueça-se o enganador título luso) teve sua antestreia mundial. A piada dos italianos referia-se ao misterioso cineasta que não dá entrevistas e nem a Palma de Ouro conquistada no ano passado fez com que ele aparecesse em público para receber. A única foto relevante que existe ninguém sabe que data terá.

E porque se gostaria de encontrar Malick, mesmo? Bom, isto é como o silêncio de Deus: se ele aparecesse, umas tantas perguntas imponentes certamente surgiriam. Uma delas: o que acha das reações acirradas que seus filmes causam nestas montras mundiais as quais brinda com o desprezo? É que já em Cannes, em 2011, foi assim, e em Veneza se repetiu: To The Wonder foi aplaudido e vaiado ao mesmo tempo.

Dado a dramas etéreos e a circular por densos caminhos estratosféricos, parece que Malick tem mais do que se preocupar do que com vaidades terrestres. Pelo menos é o que se pensa… Mas o certo é que o drama por aqui não se mede (poucas vezes o faz, aliás) pelas “estrelinhas” que os críticos andaram a distribuir: em França, variação da cotação máxima da Premiere à mínima do Les Inrockuptibles – passando por aplausos e apupos variados conforme o meio. Mesmo fenómeno nos Estados Unidos, com ilustres defensores (Los Angeles Times) e célebres detratores (“Hollywood Reporter”. Indiferente é que ninguém fica – o que nestes dias de previsibilidade ou servidão ao marketing não deixa de ser qualquer coisa.

A poesia do etéreo

Dizer que To The Wonder tem uma “história” é enganar o público da mesma forma com que se tenta fazer atribuindo-se títulos com a palavra “amor” inserida – o que aliás portugueses e brasileiros lembraram-se de promover (no Brasil o filme leva com um “Amor Pleno”…). Não há um enredo clássico: as câmaras serpentantes do realizador apenas passeiam para lá e para cá entre panos de fundos arrebatadores e narrações em off pouco esclarecedoras, entre personagens que nem nomes levam (vividos por um elenco estelar que inclui Ben Affleck, Olga Kurylenko, Rachel McAdams e Javier Bardem).

Explica Ben Affleck: “O filme parece-me mais como uma memória de uma vida do que uma história linear em tempo real, como os filmes normalmente fazem. Isto é um pouco hipnótico e nos deixa um pouco atordoados – é mais fluído do que a vida real”. Os métodos do realizador foram pouco ortodoxos e consistiam mais em tentar captar a improvisação e os olhares dos atores (ver entrevista ao C7 de Olga Kurylenko) do que propriamente exigir uma “interpretação”. Isto para além de mandar as suas incultas estrelas ler Tolstói, Dostoiévsky e Scott Fitzgerald…

Para ilustrar essa “história” sem história, há de tudo em termos de recursos linguísticos e os cenários, amplamente apoiadas em luz natural, foram escolhidos a dedo: uma ilha da Normandia, Mont St. Michel, amplamente povoada de turistas e peregrins e que os franceses chamam justamente de “maravilha” (eventualmente relacionada com título literal do filme – “em direção à maravilha”) e umas terriolas do Oklahoma que prestam-se aos mergulhos no Estados Unidos profundo que tanto fazem o gosto do realizador.

Mola propulsora

O prémio em Cannes e a nomeação ao Oscar (ou a idade, ou outra coisa qualquer, nunca se saberá) talvez tenham funcionado como uma mola: autor de quatro filmes em 22 anos, Malick parece querer compensar o tempo perdido muito rapidamente – realizando cinco filmes no mesmo período! Depois deste e de A Árvore da Vida (2011), até 2014 estão previstos Knight of Cups, Lawless (que terá outro nome pois Malick “cedeu” este título a John Hillcoat) e Voyage of Time.

 

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