Quinta-feira, 25 Abril

«Kursk» por André Gonçalves

De cofundador do Dogma 95 (com Lars von Trier) a recriar o drama sofisticado de submarino numa megaprodução digna de ombrear com Hollywood (ou não tivesse dinheiro de Luc Besson). Não é o primeiro filme “profissional” (académico) do dinamarquês Thomas Vintenberg face às exigências dogmáticas do passado (Far From the Maddening Crowd vem logo à memória), mas este Kursk é talvez o que se aproxime mais de uma encomenda anónima, feita já várias vezes sob os exatos moldes por comparsas anglo-saxónicos e não só. Talvez Vintenberg precisasse de saldar dívidas. Talvez tenha sido tentado a provar que pode operar em grande escala. 

História verídica de uma tripulação de um submarino (K-141 Kursk) que sofreu um acidente durante um ensaio em 2000, o filme divide-se em três planos. No central está o desastre propriamente dito, contado de uma forma bastante seca e procedimental, onde se realça o espírito compatriota de “ninguém fica para trás até ter mesmo que ser” destes heróis acidentais, e o Capitão (Matthias Schoenaerts) adquire destaque natural. Em narrativas paralelas, lutando por algum protagonismo adicional, temos uma faceta mais política, onde um Comandante (Colin Firth) tenta ajudar a tripulação em apuros no meio de questões diplomáticas; e a tradicional faceta emocional, no sofrimento da família, impotente perante a tragédia iminente. 

Vintenberg tenta casar estes três tempos, mas sem rasgo criativo. Tudo se mistura sem qualquer empatia, sem que o perigo mortal passe até em forma de thriller ou que as lágrimas caiam do rosto da gravidade que o filme estaria disposto a atingir face às circunstâncias. É tudo de facto bastante limpo e anónimo para gerar outro sentimento para lá de um respeito pelos valores de produção aqui presentes. 

Nas notas de trivia, aliás, pode-se ler que foi usado um submarino real nas filmagens, o que demonstra logo aqui uma vontade em homenagear o melhor possível, dentro dos limites humanos – e financeiros, lá está. Pena que tal esforço não se traduza em cinema minimamente arrojado e que o dinamarquês, que no passado já deu provas de poder ombrear com o melhor dos cineastas contemporâneos, quando a tarefa é contar uma história aparentemente simples (ainda nesta última década com A Caça), não vá além de cumprir requisitos mínimos desta vez. Em suma: boas intenções, bom talento, produto final genérico e aborrecido.  

André Gonçalves

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