Sexta-feira, 19 Abril

«The Wild Pear Tree» (A Pereira Brava) por Guilherme F. Alcobia

 
The Wild Pear Tree é o mais recente épico do cineasta turco Nuri Bilge Ceylan, o génio responsável pela realização, escrita e montagem das obras-primas Once Upon a Time in Anatolia (2011) e Winter Sleep (2014).
 
A sua carreira tem estado em progressiva ascensão ao longo das últimas duas décadas: note-se que desde 2006 a estreia dos seus filmes tem sido, sem exceção, no Festival de Cannes, de onde todos eles têm saído galardoados, inclusive com a Palme d’Or. É por isso talvez sintomático que esta sua última obra tenha sido a primeira a não ser distinguida nesse festival, dado que, pela primeira vez, Ceylan parece ceder às suas tendências, entrando em modo de piloto-automático. 
 
Tal significa que, no decorrer das três horas que compõem este filme, se sente o peso literário do guião de forma ainda mais proeminente do que nas obras mais densas do realizador. O filme segue uma estrutura romanesca, acompanhando o recém-licenciado Sinan no seu desamparo entre as ambições por uma carreira literária, as dificuldades económicas e laborais da sua família e do seu país, e os remorsos e paixões de uma juventude em certa medida reprimida e isolada numa aldeia turca. É nestes enquadramentos que Sinan se desloca, de diálogo em diálogo, por uma narrativa repleta de personagens multidimensionais que provocam e saciam o protagonista no seu crescimento interior e, em especial, na sua relação com o pai, um professor primário viciado no jogo.
 
Quando o filme avança nesta direção, Ceylan pinta um quadro naturalista belíssimo da vida social e psicológica do protagonista, na sua rede de laços familiares, amorosos, profissionais. É, aliás, frequentemente nesses momentos que a câmara se dá ao luxo de exprimir um certo romantismo ou expressionismo que eleva algumas cenas à pura poesia (como não poderia deixar de ser, a sequência entre Sinan e Hatice, a sua paixão de juventude, destaca-se neste sentido). Mas nem sempre esse foco se mantém. Algumas longas cenas desviam-se do âmago desta história para darem conta de aspetos políticos e religiosos da realidade do protagonista, o que à partida não constituiria um problema, não fosse a sua duração e o caráter quase moralista que podem assumir. Talvez seja demasiado fácil apontar a discussão de Sinan com dois clérigos locais sobre o Corão como a sequência menos pertinente do filme (em termos narrativos). Mas a verdade é que algumas cenas adotam uma forma de sermão que se torna fastidiosa, não menos pela ausência de traduções visuais estimulantes.  
 
Posto isto, é também notório em The Wild Pear Tree uma rutura com o estilo característico de Ceylan no que diz respeito à montagem. Por um lado, há uma abundância de cortes abruptos e discordantes que introduzem uma espécie de descontinuidade aparentemente ineficaz e estranha (ou talvez fosse esse efeito de estranhamento o propósito do cineasta). Por outro, alguns episódios sonhados são estruturados de forma desnecessária – se Ceylan desejava fazer uma incursão no subconsciente das personagens, porquê dá-lo a entender como realidade e não o apresentar diretamente como sonho?
 
 
São estes pormenores que, no conjunto da obra de um dos artistas mais magníficos e prolixos da nossa época, fazem de The Wild Pear Tree um trabalho menor, que revela um discorrer filosófico e uma capacidade de storytelling menos aperfeiçoados e apoiados num certo conforto instalado traiçoeiro. Em última análise, percorre todo o filme um desequilíbrio entre a simbologia e o discurso pregador; entre o expressionismo e o naturalismo; entre a grandiosidade e o intimismo. 
 
Trata-se de um filme repleto de ruminações intelectuais fascinantes, mas que triunfa essencialmente pelos vislumbres de uma juventude em constante atração e tensão com o seu próprio destino, com tudo o que o torna seu e, ao mesmo tempo, condicionado e profetizado por aquilo que o rodeia. É nesse âmbito mais particular e menos generalista que Ceylan nos relembra do seu virtuosismo. 
 
Guilherme F. Alcobia 

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