Conhecido como produtor prolifero (representando a beActive, produtora dedicada a inúmeros conteúdos em diferentes plataformas), Nuno Bernardo aposta na direção da sua primeira longa-metragem com fins ao grande ecrã, citando um dos maiores desportos romantizados no Cinema – o Boxe.

Com Gabriel, a história de um jovem cabo-verdiano que chega a Portugal para encontrar o paradeiro do pai, é um enredo que liga a longa tradição da cumplicidade do pugilismo com a Sétima Arte e ainda a tendência de inclusão social tão presente no nosso Cinema. Cabo Verde é novamente representado como a terra distante dos filhos sem pais que se lançam nestas jornadas identitárias, mas com Gabriel o percurso recorre às cadências de rounds com claras incitações ao storytelling romantizado de Hollywood e um cinema social tão presente na obra dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne.

Obviamente que integrado no nosso próprio contexto, há aqui ares de Belarmino (Fernando Lopes, 1964), o derrotismo tão português que se apodera por completo do filme mesmo quando os momentos de glória parecem se insurgir contra este ambiente de pessimismo. Nisto, Gabriel difere dos enésimos Rockys e a motivações do “underdog”, porque o nosso protagonista será sempre isso, um marginalizado no seu ambiente. Nuno Bernardo surpreende ao encontrar uma força intermédia nos diferentes registos, consolidando um filme pastiche, mas ao mesmo tempo construindo um retrato da nossa atualidade tendo como vista um bairro dos Olivais (Lisboa) desfigurado e convertido num “não-lugar”.

A sua narrativa presta perante esse serviço. Todavia, é a serventia do jovem Igor Regalla que torna todo este combate de segunda linha num acontecimento no nosso panorama. O nosso Gabriel lidera um elenco capaz, tendo como vista Sérgio Praia (que veremos como António Variações este ano) como uma personagem que força em sair da sua aparente capa de arquétipo antagónico. Depois é o jubilo de testemunhar os dinâmicos combates de boxe, com a dramaturgia (não tão histérica) de um conto de pugilismo americano e ao mesmo tempo a ferocidade de cada golpe como num filme de ação (será que Nuno Bernardo criou o primeiro deste género na nossa “indústria”).

Gabriel é um pequeno achado, assim por dizer, é boxe sem aventuras para fora do seu território, mas sem se querer encaixar no conhecido deste subgénero. Até porque a essência tão portuguesa está lá, onde a derrota é sobretudo uma omnipresença. Uma pequena surpresa.