Terça-feira, 19 Março

«Berlin, I Love You» por André Gonçalves

Tudo começou em Paris… a cidade internacionalmente reconhecida como a “cidade das luzes” e a capital do amor. Vinte e dois (!) realizadores foram convidados para realizar 20 histórias a decorrer nos bairros históricos da cidade. Entre os quais contavam-se os irmãos Coen, Olivier Assayas, Walter Salles, Alfonso Cuáron, Alexander Payne, Wes Craven, Isabel Coixet, Tom Twyker e Gus Van Sant. Cada um a operar num estilo, a tentar honrar o “bairro escolhido”. O sucesso de Paris Je T’aime de 2006, obrigou inevitavelmente a sequelas. Foi então criada a fundação (outra palavra para franchise) “Cities of Love”, e de Paris passámos para Nova Iorque e Rio de Janeiro com resultados previsivelmente cada vez mais diminuídos. 

Chegamos então a Berlim. Neste quarto capítulo da saga estamos reduzidos a 10 histórias, que se intercruzam, não se fechando necessariamente em 10 capítulos isolados. O mote parece ser “sem barreiras”, quebrando assim o estereótipo clássico de um filme-antologia – o que terá sido uma decisão racional para representar uma cidade que ainda mostra marcas do muro que a dividiu grande parte do século passado…

Passadas as apresentações e a palmadinha no ombro, chega então a altura de derrubar a parede: Berlin, I Love You faz lembrar uma sequela daquelas que encontrávamos diretas nos clubes de vídeo, onde as superestrelas do filme original deram lugar às linhas Z, as “atrizes” e “atores” por encomenda, e ocasionalmente uma Tara Reid ou duas. Sim, temos aqui os nomeados/vencedores de Oscar Helen Mirren, Keira Knightley e Mickey Rourke a pagar contas, ou com apostas perdidas. Pois aqui, fala-se das estrelas atrás das câmaras. 

Dos dez nomes, em vez de estrelas promissoras, temos fantasmas de passados relativamente distantes resgatados de prateleiras empoeiradas (Peter Chelsom, de Serendipity – Um Acaso Com Sentido, Fernando Eimbcke de Temporada de Patos e Josef Rusnak de The Thirteenth Floor) como cabeças de cartaz. Podia contar aqui um top 10 de eventos que acontecem ao longo deste filme, mas arrisco a tornar o filme mais irresistível do que realmente é. É um objeto de uma mediocridade e inabilidade em concluir bem 10 vezes uma história que de certo modo, necessita ser vista, contudo.  

Pode-se dizer que, por um lado, a cidade em si sai mal representada, sem qualquer identidade, para além de um segmento de animação inicial que nos contextualiza historicamente de uma forma didática. A partir daí, é usado o muro numa referência, uma dança em reencontro com o passado, e pouco mais. Fosse essa a menor das ofensas, contudo. O problema principal é nenhuma destas dez “histórias” terem uma conclusão satisfatória. E não falo de uma satisfação pipoqueira (aliás, no seu segmento pior, envolvendo Rourke e uma loira misteriosa, tenta-se miseravelmente um twist de deixar cair pipocas que se adivinha logo a partir do momento em que o incidente é mencionado). Numa perspetiva otimista, temos aqui boas ideias à deriva (uma “piloto inteligente” que serve de guia, um “rapto” de uma criança refugiada), completamente subaproveitadas, sem punchline ou catarse à altura, sendo a moral das histórias empurrada goela adentro. 

Teremos sempre Paris, mas Berlim, enquanto capital mundial do desejo (se não amor), merecia bem melhor. 

 
André Gonçalves

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