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«High Flying Bird» (O Céu é o Limite) por André Gonçalves

They invented a game on top of the game. 

Steven Soderbergh pode sempre parecer o maior camaleão experimentalista dos Estados Unidos, mas High Flying Bird, o seu segundo filme filmado inteiramente com um iPhone – e o primeiro a fazer-nos cair o queixo com este facto – é “business as usual” (expressão tipicamente inglesa, que significa constância).

E se o espectador olhar bem para a sua filmografia, pode facilmente detetar, independentemente do género e formato (digital, película, câmara de telemóvel) que use, que o negócio do cineasta multifacetado é… o negócio. O capital humano, face ao capitalismo selvagem. Desde o sexo/corpo (The Girlfriend Experience, Magic Mike), às drogas (Traffic), cancro (Erin Brokovich), metendo até as seguradoras ao barulho (Unsane).

Nesta sua última obra, com título inspirado por um tema musical dos anos 60, os pássaros que voam alto que nos perguntamos se ainda olham para baixo são, de um modo mais literal os jogadores de basquetebol, o “desporto mais sexy”. Mas o jogo é outro: o que Soderbergh decide mostrar é que para além do jogo de basquetebol profissional – que nunca é filmado aqui, aliás – é que há todo um conjunto de jogadas de bastidores, mas no fundo a base é a mesma: conseguir tirar a bola da mão do outro jogador, se temporariamente. Inventou-se então um jogo por cima do que vemos habitualmente no ecrã de televisão.

 

O filme não se inibe em disparar para todas as direções, começando sim no whitewashing corporativo da NBA, para falar sobre as consequências de se ser diferente nos desportos (e aqui, a orientação sexual como sendo o maior pecado e uma arma possível de arremesso), notícias falsas, impacto das redes sociais (num dos melhores momentos, é enaltecida a potencial inveja de ter um evento que poucos conseguiram captar para milhões consumir num site de alojamento de vídeos; o carácter elitista deste evento portanto, e claro, a monetização que possa gerar como consequência), e até os novos serviços de streaming, onde até a Netflix, casa deste filme, não sai imune. 

Aqui, nesta equipa, todos aparentam estar a querer mais poder, mesmo que não o admitam. É ganhar ou sair do jogo. Andre Holland, Melvin Gregg, Zazie Beetz, Sonja Sohn, Kyle McLachlan, Paul Duke e Zachary Quinto são as principais estrelas ganhadoras em campo, um campo gerido pelo cineasta como “o seu campo”, por vezes demasiado seco e perigoso para quedas, com um esquema que privilegia sempre a interação pessoal à ação, como poucos conseguem replicar e/ou têm ousadia de o fazer. Porque de facto, estamos cada vez menos dados a cinema puramente verborreico; queremos os melhores momentos do jogo, os grandes planos. Não os temos aqui, e daí também a advertência final: este pássaro voa alto, e sem preocupações de quem o queira acompanhar. Talvez seja essa a derradeira liberdade, e a única forma de sair a vencer.  

 

André Gonçalves