Terça-feira, 19 Março

«Alita: Battle Angel» (Alita: Anjo de Combate) por Jorge Pereira

Há cerca de 20 anos que o pioneiro James Cameron desejava levar ao cinema uma adaptação da manga de Yukito Kishiro, Gunnm (Battle Angel Alita, nos EUA). Agarrado a inúmeros projetos da saga Avatar, o cineasta conhecido pelos avanços tecnológicos nos efeitos visuais no cinema (Exterminador Implacável 2, Titanic e Avatar foram marcos) assume aqui o papel de produtor, deixando a realização para Robert Rodriguez, o qual vai continuando a variar entre projetos mais pequenos e autorais (Desperado, Machete, Sin City) e blockbusters (Spy Kids 1, 2 3).

Esteticamente e tecnologicamente irrepreensível, mas narrativamente conservador (um A para B e para C mais que previsível), juvenil e genérico, Battle Angel Alita tem a seu favor o intenso ritmo que o caracteriza, a razoável construção das personagens e das suas relações, mas fracassa totalmente em acrescentar algo de verdadeiramente significativo ao cinema de ficção científica e cyberpunk, acima de tudo do ponto de vista da reflexão histórica, política, social e até tecnológica.

Demasiado genérico, superficial e com todas as emoções básicas, primárias e até lamechas à flor da pele, esta história de uma ciborgue encontrada na sucata que é adotada por um “engenhocas” poderia dar origem a um conto coming of age sobre identidade numa sociedade de castas repleta de disparidades, mas ao assentar arraiais num romance juvenil trivial e numa batalha “mais do mesmo” contra o mal, Alita revela-se apenas e só mais um projeto que quer ser a nova “coca cola do deserto” das franquias de sucesso no pós Hunger Games.

Interessa dizer que toda a estética e design dos espaços, personagens, e berlicoques futuristas são “one of a kind“, que o 3D realmente tem impacto aqui, e que a vitalidade, pulso e tiques de Rodriguez (há uma louca luta num bar fenomenal) fazem as 2h20 passar num ápice, mas no final o que resta para além desse banquete visual e sonoro? O que resta é uma mão cheia de elementos derivativos, uma realização assente na coreografia e violência das lutas robóticas (não há quase sangue, só metal quebrado), culminando tudo num dos finais mais abertos a sequelas da história recente do cinema.

E poderíamos debitar por aqui as inúmeras referências que este filme tem, desde Gepeto (Pinóquio) a Victor Frankenstein na personagem do Dr. Dyson Ido (Christoph Waltz), até Rollerball (no jogo que dá acesso ao “céu”), ao trabalho da pintora Margaret Keane nos olhos da nossa Alita, passando por a grande maioria maioria das fitas mais marcantes do sci-fi (Metropolis ou Blade Runner) e também das recentes baseadas em animes (Ghost in the Shell). Mas, essencialmente, o que pontua e assusta nesta produção que se tenta estabelecer numa 7ª arte povoada de adaptações, sequelas e remakes é a sua enorme falta de coragem – como primeiro filme de um eventual franchise – de ir além dos lugares comuns de todo um cinema de heróis pré-fabricado para massas cinéfilas medrosas em experimentar algo fora da caixa.


Jorge Pereira 

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