Sexta-feira, 19 Abril

«Can You Ever Forgive Me?» por André Gonçalves

Costuma-se dizer de muito cinema, que não importa o destino, mas sim a viagem. Claro que este comentário se aplica sobretudo a géneros pré-formatados, como a comédia romântica… ou, nesta temporada de prémios, o mais legitimado (obrigado, Academia) “biopic”, “baseado em factos reais”. Ora, se o final é conhecido à partida, a força que uma obra desta categoria fica de facto toda concentrada no método usado.

Perante a história verídica, que posteriormente originou um livro de memórias, de Lee Israel, uma escritora nova-iorquina alcoólica que nem a renda consegue pagar, e um dia tem uma oportunidade caída do céu para fazer algum dinheiro fácil, Marielle Heller (Diary of a Teenage Girl) preferiu seguir a rota mais previsível – a sua realização preocupa-se em enquadrar de uma forma anónima duas personagens (desafio o espectador a lembrar-se de um único plano deste filme) e dar força aos atores que as encarnam. 

O crime de Israel foi falsificar dezenas de cartas de escritores famosos; o crime de Heller é não ser suficientemente criativa para não reforçar precisamente esta repetição, e se há dose de sarcasmo ainda a jorrar para causar alguns choques ocasionais e impedir que o espectador caia na total apatia, imaginamos que seja mais proveniente da sua coargumentista Nicole Holofcener (Please Give), que ainda assim se vê anulada face ao expetável.

Sendo então este o tradicional filme académico virado para os atores, há que dizer que tanto o deglam de Melissa McCarthy, numa tentativa também pessoal de legitimação (junto ao segmento elitista que não aceita comédia como género sério), como a excentricidade finalmente consagrada de Richard E. Grant (na sua primeira nomeação ao Oscar, aleluia) formam a dupla necessária para pelo menos querermos permanecer nos nossos lugares e não ligar o wikipedia. 

Sem o trunfo de possuir um segredo por revelar no seu percurso de um The Wife, mas também sem o chico-espertismo condescendente de Adam McKay em Vice (ao menos isso!), Can You Ever Forgive Me? é assim um filme cuja viagem demasiado decente consiste num encolher de ombros enquanto tentamos colher o máximo de entretenimento nas interações entre os atores, e nos shots ocasionais de talento nos diálogos. Exigir mais do que isto, no entanto, é também cumprir o ditado do primeiro parágrafo. 

 

André Gonçalves

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