Sexta-feira, 19 Abril

«Vox Lux» por Jorge Pereira

O que é a fama nos dias de hoje? Paralelismos políticos à parte (já lá iremos), e a velha história da causa-consequência (tal como o seu filme anterior, A Infância de um Líder), essa parece ser a questão que Brady Corbet coloca no seu Vox Lux, projeto dedicado ao falecido Jonatham Demme, mas que cresce num tom provocatório mais próximo a Lars Von Trier com um piscar de olho a John Cassavetes (não é Demme uma consequência de Cassavetes?) e ao seu Opening Night (Noite de Estreia).

Vox Lux começa em 1999, o ano do massacre em Columbine. Celeste (Raffey Cassidy) é uma jovem que tem de lidar com uma tragédia similar e que depois desse evento dramático consegue uma oportunidade no mundo da música, algo que aproveita com unhas e dentes. A acompanhá-la nessa ascensão temos a irmã (Stacy Martin) e um produtor (Jude Law), que entre os EUA e a Suécia vão moldando aquilo que será uma futura estrela. A ação é depois transportada para os tempos atuais, tendo passado cerca de 15 anos que cimentaram Celeste (agora Natalie Portman) como uma diva pop que arrasta multidões.

Tal como no seu filme anterior, Brady Corbet volta a jogar com ações e reações, tudo separado por capítulos onde a narração de Willem Dafoe nos ajuda a transportar para o charme provocatório “Trieriano” daquilo que se diz ser um retrato do século XXI. Retrato esse que não só revela um declínio, uma decadência moral, do império americano, mas também a perda de humanismo e sensibilidade da nossa protagonista à medida da sua ascensão meteórica no negócio do “entertainment” e da construção da sua figura de estrela, de nova deusa. Tudo num sistema – capitalista e neoliberal – enraizado no culto da individualidade, que cresce sob o medo, no seio da competição e no ultra poder da imagem. Há também – frontalmente – uma crítica ao que o mundo da música se tornou, a sua perda de importância como arte (para além da sua estrutura de entretenimento), sendo a própria Celeste a dizer que a sua figura nos dias de hoje vende mais a emprestar a voz a um videojogo que a cantar.

Se a primeira parte da obra de Corbet analisa com algum esplendor a perda da inocência de uma jovem num universo de criação de celebridades imediatas, a segunda faz conexões e sugestões sobre o que se passou nos 15 anos entre os dois momentos. É quase como em Mulholland Drive, onde tínhamos uma chave azul a marcar a transição entre sonhos, ilusões e a realidade. Aqui, temos o facto de na manhã do 11 de setembro de 2001, Celeste encontrar o seu produtor e a irmã na cama, como um marco para o seu comportamento no futuro (e paralelamente aquilo que a América também se tornou depois dessa data).

É que quinze anos volvidos, e sem mais pistas pelo meio, Celeste é já uma estrela implantada, a preparar-se para um concerto na sua região natal. A sua relação com a irmã, outrora de grande proximidade, transformou-se em algo distante onde são frequentes confrontações azedas e invejas, ora ligadas à sua forma de ser como celebridade, ora associadas à relação que tem com a filha (também Raffey Cassidy).

Nesse jogo de causas e consequências e tocando em temas como a violência, o terrorismo e o culto da imagem (o que interessa é quem dá a cara, não quem trabalha por trás, personificado na figura da irmã que escreve todas as letras da vedeta), Corbet constrói assim um filme com várias camadas, mas nessa 2ª parte nunca se livra (nem se quer livrar) dos lugares comuns, dos clichés que associamos a estrelas pop como Lady Gaga, onde se levantam questões de onde acaba a personagem e começa a pessoa. Na verdade, essa opção pelo genérico e superficial revela alguma preguiça do cineasta em ir além dessas figurinhas e desconstruir realmente o seu íntimo.

No final, uma provocação sussurrada pela voz de Dafoe acaba por ser um elemento de mero choque que se revela menos astuto do que o cineasta crê ser, soando a algo entre o bíblico e o “faustiano” que retira credibilidade e força, tornando Vox Lux uma vítima da sua própria imagem, uma equação filosófica e psicológica com muitas contas por explicar.


Jorge Pereira

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