Seis estranhos são convidados a participar num misterioso “escape room”. À medida que jogam este puzzle arquitetónico vão se apercebendo que o entretenimento não é mais do que uma mortal armadilha. Isto, simplesmente, resumiria Escape Room, o enésimo filme de cerco com charadas à mistura que se vai desdobrando num jogo de previsões e ares bafientos. Por outras palavras, é uma produção inútil, esquecível, ele próprio escapista e sem o rigor de sofisticação quanto ao género que representa.

Contudo, a dúvida fica no ar. Porquê falar deste Escape Room? Pelo simples facto que o trabalho de Adam Robitel (vindo do culto found-footage The Taking of Deborah Logan, que espantou o próprio James Wan) é a equação de uma tendência industrial, uma representação daquilo que estamos a presenciar atualmente no cinema de terror. Para tal, gostaria de invocar uma das “inúteis” imagens, sem qualquer propósito para a intriga em si, mas que revela a natureza de toda esta conceção e, quiçá, as cedências que o cinema para massas está a subjugar.

À porta do edifício onde decorrerá grande parte da narrativa, uma das personagens fuma, enquanto outra lança um olhar reprovador para tal ato. “Eu sei que isto me matará um dia”, responde o fumante, sem sucesso, visto que a primeira impressão está concretizada, e essa demonstra uma figura frágil, insegurança ou, sinceramente, quebrada e em busca da sua autodestruição. O simples ato de fumar, o que numa Hollywood clássica era visto como uma sincronização ao erotismo sugestivo, graças à colaboração entre as majors e as diferentes empresas tabagistas afim de aliciar os espectadores, é hoje tido como um comportamento a evitar, quer pela sua ocultação no cinema, ou na sua existência, uma semiótica via para, uma, a personagem a ser salva, ou duas, a figura antagónica da história.

O leitor está nesta altura a questionar o porquê de estar avançar através de factos sem relevância para o filme em si, ao invés de estar a “avaliar” atores, movimentos de câmara e estéticas. Pois bem, o que estamos a tentar dizer, e não querendo reduzir o ato da crítica de cinema ao “vão ver” ou “não vão ver este” filme, porque não é isso que está em causa, é que Escape Room, por mais “latim” que gaste não é um motivo para esbanjar verborreia criativa aqui. Como consolo, refiro que o filme de Robitel é a gota de um oceano cada vez mais presente no nosso horizonte – o cinema de terror contido nos seus máximos eixos para levar o adolescente que começou há poucos dias a experienciar a puberdade.

E para tal existe uma clara transposição de “politicamente correto”, seja o tabaco, peça engrenada de uma tendência generalizada, seja o evitar de qualquer e desnecessária polémica (por exemplo, uma personagem batiza outra de Rain Man, como sugestão a um certo autismo, respondido e “castrado” automaticamente por “Hei, isso é ofensivo”), seja o branqueamento das pecados comportamentais evidentes no seu grupo de “bonecos” (aquele cinema de terror adolescente, tão próprio da década de 80, dotado de drogas, festas e sexo, já não existe mais).

Escape Room, uma mistura de Saw com La Habitación de Fermat (há que recuperar essa variação), é o protótipo do perfeito filme de terror para toda a família degustar sem suscetibilidades. Um ponche sem álcool.