Terça-feira, 23 Abril

«Bird Box» (Às Cegas) por Jorge Pereira

O cinema pós-apocalipse tem entupido as telas nas últimas duas décadas com as mais variadas causas, sejam elas naturais (toda uma legião de filmes catástrofe), sejam desastres biológicos (zombies e outras mutações), sejam após conflitos militares, invasões alienígenas e até criaturas vindas de outras dimensões (Cloverfield e demais). Ainda este ano tivemos um bom exemplo desse cinema, com A Quiet Place a entregar com todos os elementos dos filmes de terror o drama de uma família fustigada por criaturas assassinas que reagem ao som. Um dos elementos chave do sucesso do filme de John Krasinski foi a enorme capacidade de construir a história credível de uma família – que se sente como uma família – marcada pela tragédia e que luta diariamente pela sobrevivência num novo mundo com muitos segredos por revelar.

Desaparecida do cinema desde 2015, Sandra Bullock regressou aos ecrãs este ano com dois filmes. Primeiro Ocean’s 8 e agora este Bird Box (Ás Cegas), projeto da Netflix – adaptado da obra literária de Josh Malerman – assinado pela dinamarquesa Susanne Bier. Viajando por terrenos do cinema fantástico e colocando a humanidade à beira da extinção após um estranho evento que leva as pessoas à loucura e à morte, Bullock é aqui um poço de sofrimento num mundo onde o terror vem na forma dos nossos maiores medos. Por tal, não é de estranhar que neste universo claustrofóbico – e abstrato nos vilões – os indivíduos se refugiem em casa, com as janelas tapadas e que sempre que se aventuram fora delas tenham de cobrir os olhos. Os pássaros são os verdadeiros alarmes numa obra que funciona como um thriller de ação e drama de sobrevivência, sem nunca esquecer uma ponta de romance.

Infelizmente e em todas as suas dimensões, Bird Box nunca sai da mediocridade, do esquematismo e da enorme previsibilidade, sendo particularmente pesaroso ver o elenco (Bullock, John Malkovich, Jacki Weaver, Trevante Rhodes, Danielle MacDonald) estar entregue a personagens tão estereotipadas, unidimensionais na espessura (praticamente nada se sabe sobre elas) e que apenas esporadicamente nos conseguem prender por situações avulsas que a narrativa anacrónica nos vai apresentando a conta gotas.

E neste fracasso generalizado, Bier tem uma grande quota de responsabilidade, pois nunca consegue criar uma verdadeiro elo de ligação entre o espectador e o grupo de personagens que segue (a interpretada por John Malkovich é do mais estereotipado que existe, para dar um exemplo), nem – pelo caminho – entregar sequências verdadeiramente conseguidas na arte do mistério e do terror.

Uma nota de atenção para o trabalho de som, pois num mundo de “cegos” a experiência sensorial entregue pela mistura e edição sonora “dá nas vistas” e é mesmo o grande elemento que sobressai. Tudo o resto já vimos aqui, ali e além. Nada de novo e nada de velho suficientemente interessante ou reciclado com engenho.


Jorge Pereira 

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