Há muito que Maggie Gyllenhaal se vem revelando como uma das mais maduras e confiantes atrizes em Hollywood, compilando performances de luxo em pequenas produções, misturadas com um ou outro blockbuster para equilibrar a balança. Apesar do Globo de Ouro conquistado em 2014 pelo seu papel na minissérie da BBC The Honourable Woman, a indústria tarda em reconhecer-lhe o devido valor e impacto. Mas desde o início do ano que não faltam vozes a anunciar que esta época de prémios que se avizinha será o seu momento de consagração universal. E tudo por causa de um pequeno grande filme, A Educadora de Infância, que Gyllenhaal protagoniza, se estreia a produzir e eleva como poucas outras seriam capazes de fazer.

Este remake do sucesso do israelita Nadav Lapid, que em 2014 teve um percurso interessante pelo circuito de festivais, conta-nos a história de Lisa Spinelli (Maggie Gyllenhaal), uma dedicada educadora de infância de Staten Island com um fascínio desmesurado pela poesia. De forma a satisfazer a sua necessidade de expressão e reconhecimento frequenta aulas de poesia sob a batuta do professor Simon (Gael Garcia Bernal), que apesar dos esforços, tal como todos os outros que a rodeiam, não lhe reconhece grande valor artístico.

O destino da protagonista muda radicalmente quando uma das crianças da sua turma, Jimmy Roy (Parker Sevak), se revela como um génio “naïf” da poesia. À medida que descobre que mais ninguém parece interessado em cultivar este potencial talento, a educadora de infância assume as rédeas, desencadeando uma serie de acontecimentos que vão desafiar as leis da ética e disseminar um desconforto invulgar por entre a audiência.

Um dos jogos mais ambiciosos de A Educadora de Infância é a forma como, sorrateira e inesperadamente, a protagonista se transforma de um modelo profissional impecável em alguém aparentemente obcecada por utilizar uma criança de cinco anos para satisfazer a sua própria necessidade de cumprir um papel relevante num mundo que julgava perdido.

A noção da santidade da infância é deliciosamente desvirtuada para dar lugar ao processo de mutação de uma mulher inteligente mas rejeitada e sem voz, aprisionada numa rotina desprovida de prazer e limitada por uma família dolorosamente banal e previsível. Este é um desafio deveras perigoso, já que antagoniza algumas das nossas percepções mais elementares. Mas o filme é extremamente perspicaz e poderoso neste sentido, e é exatamente nesta fase que Gyllenhaal mais se destaca também.

A atriz norte-americana conquista uma empatia total ao imprimir uma delicadeza sedutora nas suas acções, olhares e poucas palavras. Tal como uma educadora de infância, utiliza um cocktail de firmeza e carinho para cativar, ou até mesmo manipular, a atenção e aceitação de uma criança, a gigante presença de Gyllenhaal desempenha o mesmo exercício com a audiência. Neste jogo de deslumbre, tal como acontece aos intervenientes da história, é natural que nós próprios percamos a noção da dimensão dos erros, tudo em nome de uma última oportunidade para testemunhar a consagração de uma personagem até certo ponto heróica, e que reflete habilmente algumas ideias centrais sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea.

É curiosa a forma como a realizadora Sara Colangelo oferece todo o espaço do mundo a Gyllenhaal para produzir este feitiço. Sempre compreensiva e protectora da sua heroína, recusa-se a poluir a tela com artefatos e assinaturas que se possam entrepor entre nós, a protagonista e a criança. Ao invés, abundam os enquadramentos abertos que insistem na ideia de um vazio por preencher, sempre a rodear a dupla Lisa e Jimmy, atribuindo assim uma dose extra de legitimidade às acções de Lisa.

Colangelo destaca-se por reproduzir todas estas ideias e conflitos de forma despreocupada e extremamente fluente, incluindo a sempre complicada transição de drama indie para thriller, e isto apesar do rapido crescendo a caminho de um final que se adivinha dificil de digerir.

Quem já viu a versão original de Nadav Lapid certamente reconhecerá os mesmo trunfos e técnicas, mas desengane-se porque ainda há muito para para descobrir neste enredo. É que este A Educadora de Infância é um dos casos em que a copia suplanta o original, tudo graças ao trabalho de uma impressionante atriz que irónica, e ao contrário da personagem que encarna, encontrou o papel que lhe potencia todo o reconhecimento do mundo.

Pontuação Geral
Fernando Vasquez
the-kindergarten-teacher-a-educadora-de-infancia-por-fernando-vasquezQuem já viu a versão original de Nadav Lapid certamente reconhecerá os mesmo trunfos e técnicas, mas desengane-se porque ainda há muito para para descobrir neste enredo.