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«Parque Mayer» por Jorge Pereira

Mais que uma história sobre o Parque Mayer, os espetáculos de variedades, ou os problemas entre a arte e os regimes totalitários e castradores (como o de Salazar), o novo filme de António Pedro Vasconcelos foca-se nos traumas e dramas de um escritor, Mário (Francisco Froes), nos seus dilemas diários, quer no processo criativo de escrita, quer nas formas como tem de lidar com um novo regime autocrático e escapar à censura (mostrando os trocadilhos como uma arte de contornar e duplicar interpretações), quer a nível da sua identificação sexual e política na sociedade.

O argumento de Tiago R. Santos, autor que parece ter outro impulso, engenho e arte na escrita quando trabalha com Vasconcelos (ao contrário do que faz quando colabora com Leonel Vieira), lembra, de certa forma, algumas das abordagens do cinema americano aos tempos do Macartismo (Trumbo, Boa Noite e Boa Sorte, etc), enraizando tudo à nossa realidade e à ascensão ao poder de Salazar, o salvador para alguns que queriam ver terminado o caos político do início do século, o castrador para todos os outros, que afunilou Portugal para um subdesenvolvimento económico e social no cômputo europeu e mundial que ainda hoje sentimos na pele.

É assim curiosa a forma como TRS aborda o teatro de revista, espelha os antros de prostituição entretenimento, mostra a forma desviante como a homossexualidade era vista, pintando ainda um retrato do machismo e da violência doméstica, enquanto se centra no seu jovem escritor que encontra na “saloia” Deolinda (Daniela Melchior) uma nova estrela. Deolinda é a típica ingénua, doce e campónia (vem de Fátima) à procura do sonho de ser atriz, mas que se vê constrangida e ameaçada entre um marido abusivo e uma estrela do teatro simpatizante do governo de Salazar (Diogo Morgado) que vê nela a presa ideal para mais uma das suas conquistas amorosas.

Este tridente de atores (Morgado-Froes-Melchior), em boa forma no seu jeito binário, é acompanhado por um Miguel Guilherme engenhoso na arte do conseguir o que quer (quase um “Fixer” à portuguesa), nem que para isso tenha de substituir o retrato de Beatriz Costa pelo de Salazar para agradar o nosso censor de serviço; e uma Alexandra Lencastre no seu estilo habitual a dar vida a uma Madame de uma casa de meninas.

É certo que qualquer um dos temas mencionados é radiografado de forma muitas vezes estereotipada e superficial, que o didatismo histórico às vezes soa a redundância, que as personagens assumem papéis por vezes demasiado unidimensionais (veja-se o marido de Deolinda) e que algumas vezes se sinta que estamos num trabalho que tanto se lhe dá ser para Cinema ou TV. Porém, olhando para o resultado final e tudo o que assistimos durante as suas mais de duas horas, esta viagem a outros tempos que não são assim tão distantes acaba por ter valor, relevância política, social, humana e histórica o suficiente para mostrar que não é preciso cair-se na narrativa fácil e genérica que tanto entope o pequeno ecrã e que muitas vezes é colocada nos Cinemas para vender “gato por lebre”.


Jorge Pereira