Quinta-feira, 28 Março

«Crazy Rich Asians» por André Gonçalves

Há algum tempo atrás, um artista criou um website em que o ator John Cho (Columbus), era por milagre do photoshop, inserido em posters de grandes produções de Hollywood do passado recente. O movimento #StarringJohnCho” (protagonizado por John Cho) pedia assim claramente a Hollywood para a inclusão de um ator asiático no papel de protagonista em produções de Hollywood. John Cho não entra neste Crazy Rich Asians, mas por duas horas o sonho é aparentemente real: um filme em que não só o papel masculino é asiático, mas todo o elenco o é.

A expectativa inicial antes de entrar no filme é portanto a de estar feliz pela maior visibilidade da comunidade chinesa na cultura ocidental. 2018 parece aliás o ano em que as minorias parecem finalmente ganhar direito a serem tão básicas como os brancos heteros. Depois de Love, Simon ter derretido os corações da comunidade gay e ter enchido também de orgulho a comunidade hetero que assim se mostrou simpatizante para que o capitalismo do sonho americano (do rapaz ficar com o interesse romântico no final), chegou a vez dos chineses a tentar viver o mesmo tipo sonho terem o mesmo tratamento, com resultados infelizmente ainda mais estereotipados que nunca. 

Nick Young e Rachel Chu são um casal de ascendência chinesa num ponto da relação em que Nick sente que está na hora de Rachel conhecer a sua família em Singapura, aproveitando assim um casamento alheio como altura ideal. Ela, uma professora de economia, um jovem prodígio; e ele, bem, nunca se percebe muito bem o que faz. O que rapidamente sobressai, e o que é preciso reter da premissa é que a família Young é podre de rica (crazy rich), facto que tinha fugido até então a Rachel.

Comédia social portanto, profundamente ocidentalizada, numa estrutura típica de três atos (é uma comédia de estúdio sem sombra de dúvida – da Warner Bros.), Crazy Rich Asians tem apenas a cartada da inclusão a seu favor, e para tentar carvar lugar na história de Hollywood. De resto, os clichés “brancos” (a melhor amiga excêntrica na sua moda, o fashionista gay, o nerd que tira fotos à socapa, etc.) são aqui transpostos em corpos asiáticos, também eles presos a convenções raciais próprias, embora o humor autoconsciente sobre estes estereótipos até seja evidente aqui e ali. 

O que se pode dizer mais? Bem, que como comédia romântica de domingo à tarde é tão serviçal quanto a que esteja a passar na sala ao lado com dois americanos de ascendência europeia. Se inicialmente, temos uma narrativa a chamar atenção sobre si mesma na maneira gráfica e de montagem supostamente refrescante como revela a premissa, os ânimos rapidamente esfriam para dar lugar a um objeto seguro e previsível. Os atores cumprem bem com os cartões que lhes foram atribuídos, com destaque óbvio para a lenda já ocidental Michelle Yeoh (O Tigre e o Dragão), com o papel mais sumarento – o de matriarca “vilã” que não nasceu ela própria num berço de ouro. Passando uma das piadas raciais autoconscientes para criticar o próprio filme: este também é uma autêntica banana, amarela por fora e branca por dentro.

A obra acaba assim ultimamente por servir tanto a comunidade chinesa residente em terras de Trump se sentir representada, como o homem branco se sentir também orgulhoso pela linha de montagem ter agora novas cores… 

Perante tanto consenso entre gregos e troianos, uma frustração brutal pela fasquia tão baixa. Dito isto tudo, a mesma lógica de Love, Simon se aplica aqui: ainda bem que podemos tirar esta pedra do sapato dos chineses não terem espaço em Hollywood com uma comédia romântica desenhada para eles com um molde ocidental. Agora, toca a fazer melhor. E sim, merecia ainda assim uma estreia comercial em Portugal. 

André Gonçalves

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