Sábado, 20 Abril

«Ralph Breaks the Internet» (Ralph Vs Internet) por Raquel Soares

Cuspir sequelas que ninguém pediu é um hábito já muito Hollywoodesco. Mesmo quando o realizador ou os atores originais não querem estar envolvidos, os estúdios insistem em espremer o sumo destes universos bem amados até estes se encontrarem completamente mortos, chegando a um estado em que mesmo os fãs da saga se recusam a dar o seu dinheiro para ver estes triste fantasmas de glórias passadas (Alien, Man in Black, Star Wars, Jurassic Park, etc).

Durante algum tempo, a Disney, pelo menos no olhar público, pareceu estar acima desta tendência. Talvez porque esta sempre se especializou em esconder a sua natureza de máquina capitalista que só quer encher as gavetas. Talvez porque após longos anos de lavagem cerebral, a maior parte de nós associa o logotipo do castelo à alma de criança, o pináculo de inocência e imaginação. Ou talvez porque esta lançava a maioria das suas sequelas apenas discretamente como DVDs (a maior parte delas terríveis, diga-se de passagem).

No entanto, o truque de magia foi-se desvanecendo à medida que o gigante foi comprando toda a competição e criando estratagemas desnecessários para vender os seus produtos. Assim, em pleno 2018, a ilusão encontra-se completamente quebrada. Principalmente quando consultamos a lista de novas produções originais do estúdio e verificamos tristemente que nesta apenas se encontram sequelas ou versões “live action” de clássicos e nenhuma história realmente nova.

Ralph vs The Internet é uma destas milhentas novas sequelas que volta a ressuscitar a história de um filme que não deixou nenhuma ponta solta e que aparentemente não tem nenhuma razão para existir, sem ser encher os bolsos de um estúdio já por si milionárias. Quando se junta a isto uma premissa que sabe a pouco original, uma vez que já foi vista o ano passado no desastre de Emoji – O Filme (possivelmente uma coincidência, mas mesmo assim difícil de ignorar), a fita parece começar a perder antes sequer de ter ganho vida.

O projeto foca-se essencialmente nas duas personagens da fita anterior, Ralph e Vanellope, e a sua amizade. A partir destas duas personagens apresenta-se uma reflexão sobre como o distanciamento entre amigos é uma parte do crescimento e que a conexão entre as pessoas não depende da proximidade física. Esta é mesmo a que se destaca, uma vez que é uma narrativa necessária e vista poucas vezes no género, mas também porque a obra não tenta fazer um grande espetáculo deste sentimento ou fazer dele um momento grandioso, mantendo os momentos emocionais íntimos e honestos, chegando alguns a ser tocantes. É assim pena que tudo o resto esteja afogado em artificialidade.

O forçado e o desespero para fazer algo atual que apele às massas de crianças é bastante visível. Mais uma vez, a máquina de Hollywood esquece-se que vivemos numa época de imediatismo: o tempo que leva a fazer um filme é mais do que tempo para todas as referências e as “piadas” se tornam velhas. Para além disso, parece haver uma desconexão geracional na maneira como a internet é representada. Em 2018, reduzir o Youtube a vídeos de gatinhos e lamas mostra que nunca se chega a explorar todo o potencial artístico e de mudança que a internet trouxe. Isto faz que a sua pseudo crítica, desta tendência que a internet tem de produzir novas tendências à velocidade da luz, seja pouco eficiente quando ao mesmo tempo apresenta uma data de “tendências” coladas a fita-cola. Isto não quer dizer que se erra completamente na “representação física” do interior da internet, o mundo está construído de forma coerente e parece que corresponde sistemicamente ao que acontece quando clicamos no rato, mas no entanto, utiliza esta “paisagem” de forma previsível e desinteressante.

O filme submete-se ainda à auto-referência, tão usada nestes últimos anos. Como visto nos trailers, a Disney escolheu pegar em várias personagens de várias propriedades que possui, que não têm nada a ver com este produto específico e empurra-as para à frente do ecrã sem qualquer tipo de discriminação ou propósito, a não ser a de dar um sentimento superficial de alegria quando vemos as personagens que amamos. Há ainda diversas tentativas de ser meta e gozar com os seus próprios clichés, mas contrário de filmes como Frozen e Moana em que o faz de modo a mostrar como estes podem ser problemáticos e assim subverter estes lugares comuns, aqui apenas os aponta sem objetivo algum. Estas auto-referência tornam-se assim mais um mecanismo para preencher mais tempo do que algo que se ligue ao conflito interno da história ou que tenha algum tipo de real relevância.

Convém realçar que o enredo em si deste guião é fraco. O risco é pouquíssimo (não existe realmente um problema com peso suficiente) e a procura de um novo volante é claramente apenas um pretexto para se explorar o mundo da internet, tornando-se muito mais claro no desenlace, quando a fita se transforma numa referência a King Kong (algo completamente inexplicável). Ao guião pouco interessante, junta-se a animação que nada traz de de novo, parecendo que tudo está quase em modo automático, sem qualquer preocupação estética, ficando aquém de muitos dos outros trabalhos do estúdio.

Apesar disto tudo, é justo fazer referência à personagem Shank, por ser uma ótima representação feminina. É uma personagem que é melhor num campo normalmente predominantemente masculino e mesmo assim consegue ser sensível, bimensional e sem ser sexualizada no grande ecrã – algo que numa obra da Disney, se não contarmos com as princesas, não é assim tão comum. As cenas com ela são assim um dos poucos highlights por aqui.

Como tal, Ralph Vs Internet não ultrapassa as expetativas da sequela desnecessária, cheia de personagens e cenários vibrantes, mas sem qualquer brilho, sendo mais um produto que um filme. Salva-se a “moral da história” refrescante que merecia um filme melhor. Nisto, esta é apenas mais uma prova de que o legado não é suficiente para suportar nada que fique na memória ou nos corações dos espectadores.


Raquel Soares

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