Sexta-feira, 19 Abril

«Le Collier Rouge» (Histórias de uma Vida) por Jorge Pereira

“O heroísmo, a coragem, o patriotismo!
Ainda há desgraçados que acreditam nessas parvoíces!”

A Primeira Guerra Mundial e as suas consequências têm sido apresentadas com alguma regularidade pelo cinema francês e basta nos lembrarmos do recente As Guardiãs para entender que o tema intriga cineastas, os quais se desdobram em focos específicos longe do conflito bélico em si. Se em As Guardiães o foco principal era o papel das mulheres nesse conflito visto “ao longe” mas sentido “ao perto”, por aqui temos as ideologias e as razões por trás da sangrenta e feroz guerra.

Um cão ladra insistentemente à porta de um quartel. Lá dentro, detido e à espera de julgamento, encontramos Morlac (Nicolas Duvauchelle), um homem de fortes convicções políticas, não só despertadas pela leitura, mas pelo amor por Valentine que cimentou antes da guerra. A sua situação é problemática, pois pode ser condenado à morte por fuzilamento, algo que não o fustiga particularmente. Porém, caso ele assuma o erro, ponha as suas ideias de lado e peça desculpa perante Lantier du Grez (François Cluzet) – o magistrado/comandante responsável por decidir o seu destino – a sua situação pode ser muito diferente, já que é um soldado condecorado por atos de bravura em serviço.

O regresso do veterano Jean Becker neste seu décimo quinto filme – novamente uma tentativa de celebrar o homem comum – é uma adaptação do romance de Jean-Christophe Rufin, de 2014, um trabalho que começa como um filme de investigação e mistério, mas que se transforma numa mensagem anti-guerra de contornos revolucionários que infelizmente é abafada por uma indecisão de rumo sob o manto de um academismo e classicismo cinematográfico. É que apesar do humanismo, das ideologias e do amor serem colocados frente a frente com um conflito global, Becker nunca consegue muito mais que uma ligeira reflexão com pouca profundidade, embora algum coração, sobressaindo sim os diferentes espectros que o mundo teve de lidar no pós uma guerra que martirizou demasiada gente devido a interesses mascarados de ideias libertadoras.

Isso nota-se na alegoria que o cineasta evoca na implantação de dualidades/paradoxos entre as paisagens bucólicas, quentes e solarengas perto da pequena localidade de Montbron, e a negritude da cela onde o nosso soldado está encarcerado à espera do seu destino – tudo como uma espécie de viagem entre o céu e o inferno, entre a luz e as sombras. Nesse caminho turbulento, Becker vai e vem entre o passado (flashbacks bafientos) e o presente para contar a história não só de um homem desiludido, mas sim de um todo.

E se a relação do cão com o homem faz lembrar – sobejamente – Cavalo de Guerra de Spielberg, numa homenagem de certa maneira vincada aos animais que participaram no conflito e foram verdadeiros “companheiros de armas”, é na interação “à huis clos” entre Morlac e Grez que se explana o que de melhor o filme tem para oferecer, mesmo que desse debate se soltem os clichés e lugares comuns sobre os horrores da guerra. De certa forma, é a velha luta de classes implantada num conflito mundial a explicitar diferentes escalas de sofrimento, enquanto se apresenta também a profunda desesperança, materializada em ações e decisões de questionar o exercício do poder e o estabelecido.


Jorge Pereira

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